Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

O poder da música

01/07/2021 às 19:03.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:18

Nesse dia eu me atrasei um pouco e encontrei o Maurício Canguçu já sentado na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, me aguardando para que pudéssemos assistir a um ensaio de uma orquestra de talentosos músicos que se uniram por uma causa voluntária.

O pesquisador e professor da Universidade de Havard Josiah Royce conduziu uma série de entrevistas que tentava entender o porquê das pessoas, idosas, não estarem completamente satisfeitas com a vida, apesar de terem emprego, moradia, um círculo de amizade. A resposta a que ele chegou foi que as pessoas buscavam uma causa além de si mesmas.

O que presenciamos naquele ensaio foi algo ligado a isso que o Royce descobriu. Os músicos vêm de diversos lugares de BH e da Região Metropolitana, quando foram selecionados sabiam que não teriam nenhuma ajuda de custo e nem receberiam passagens para os seus deslocamentos. Mas eles toparam e ali estão.

Em meio às seis horas de ensaio que têm todos os sábados, tomam um rápido lanche e já voltam para a atividade. Nos olhos, que agora ficam ainda mais falantes com as máscaras, a alegria de fazerem parte daquele momento.

A grande causa que eles abraçam é a de, com a sua música, levarem alegria, encanto, harmonia, bem-estar para quem os ouve e, além disso, através de espetáculos beneficentes, poderem ajudar o Instituto Adotar, uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos que atua com crianças e adolescentes institucionalizados, além de apoiar famílias que pensam ou se decidiram pela adoção de filhos.

Fomos recebidos pela Mônica e Fernanda, as duas irmãs à frente dessa iniciativa há mais de 20 anos, que nos contaram sobre o trabalho crescente que desenvolvem com as comunidades que atendem pelo Adotar, intensificado pelas demandas da pandemia. Contaram, também, sobre o sonho de um dia conseguirem um patrocínio de alguma empresa para proporcionarem uma bolsa/auxílio aos músicos, citaram a dedicação de cada um deles e do maestro Luis Villar e a ansiedade por definirem uma data para o “Concerto Adotar”, que seria em julho, em que apresentarão músicas de Michael Jackson.

Entramos para o auditório e ficamos ali, ouvindo os músicos tocando maravilhosamente bem. O maestro dizendo: “tem que melhorar esta parte” e eu me emocionando com aquilo que ainda podia melhorar, mas que para mim já estava perfeito.

Cada instrumento, muito bem conduzido pelos músicos, era como se eles tivessem nos presenteando com a sua própria alma. E isso não falo para que esse texto fique poético, não. Foi o sentimento que tive e o que eles conseguem passar com a música.

Ficava ali imaginando minha mãe sentada ao meu lado, que é minha companheira de teatros, presenciando aquele espetáculo. Viajei para cada projeto social que desenvolvemos e imaginava as idosas das instituições de longa permanência ouvindo aqueles músicos. As crianças e adolescentes dos abrigos, se despertando para essa arte, conhecendo mais sobre um instrumento de corda ou de sopro, se descobrindo, descobrindo a vida, seus valores através da música.

De repente o maestro diz: “Free Willy”. O jovem músico ao piano começa a tocar e o som invade o local. Ao seu lado, em um teclado, uma jovem acompanhava. A música termina e o último acorde do piano é dado. O silêncio total deixa que aquela nota vá se apagando aos poucos, lentamente, até que o maestro anuncia uma nova música. Nesse pequeno espaço de tempo parecia que aquela nota rasgava a minha alma.

Foi só um ensaio, mas o componente humano, com a alegria e o talento dos músicos, misturado ao componente humanidade, da causa que os reuniu, transforma cada encontro numa aula, numa vivência e, para mim, num espetáculo.

A “Orquestra Adotar” marcará sua apresentação com os recursos destinados ao Instituto Adotar assim que as salas de teatro forem liberadas. E até lá, espero que uma empresa se interesse pelo que aquelas pessoas estão fazendo ali e os apoie, para que nos presenteiem sempre, e cada vez mais, com esse talento transformador.

Busquei a letra da música Free Willy, que me marcou bastante pela forma que foi apresentada naquele dia. Antes da nota final do piano, a voz dizia, no idioma Inglês: “na promessa de um novo amanhã, eu nunca te deixarei de lado. Para todo o sempre você estará em meu coração”.

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