Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Quanta vidas por uma guerra?

27/01/2023 às 10:11.
Atualizado em 27/01/2023 às 10:20

Desde adolescente, quando eu assistia aos filmes de guerra, eu tinha uma dificuldade em entender, quando aquelas cenas de confronto eram mostradas, quem de fato estava ganhando ou perdendo, quem lutava por um ou pelo outro país.

Era um conflito carnal, em que as pessoas partiam para cima das outras, com as baionetas e suas facas afiadas e sei lá mais quais tipos de armas. Naquele encontro de um lado com o outro eu já não entendia mais nada. Mas, desde sempre, sabia que ninguém saia ganhando.

Os filmes eram, para mim, um tipo de entretenimento, por sua
construção artística, cuja avaliação eu faço como um leigo, mas que me prendia até o fim por ser um filme, uma ficção.

Ao me deparar com uma matéria da jornalista Mariana Peixoto, no Portal Uai, fiquei com a curiosidade ainda mais aguçada de assistir a um filme que está na lista de indicações ao Oscar de 2023, inclusive sendo o segundo com maior número de categorias indicadas.

Trata-se do “Nada de novo no front”, que me chamou bastante a atenção na matéria da jornalista e não só pelo fato de tratar de um fragmento da guerra, ou por ter como base um livro, de mesmo nome, escrito por Erich Maria Remarque (1898-1970), ele próprio um sobrevivente da guerra e que teve sua experiência relatada em sua obra. Uma adaptação deste livro já teve quatro indicações e levou dois Oscars em 1931.

Mas esta adaptação, uma produção alemã, que o jornalista Ticiano
Ozório acredita merecia inclusive outras indicações mais ao maior prêmio da indústria cinematográfica, tem algo peculiar que me chamou a atenção: o produtor, que hoje vive nos EUA, é mineiro, tendo morado em Belo Horizonte, onde sua mãe ainda reside e seu pai, falecido em 2003, lecionou Ciências Políticas na UFMG e deixou um legado científico e literário bastante reverenciado.
Filho do historiador René Armand Dreifuss, Daniel Dreifuss é o produtor mineiro responsável pelo “Nada de novo no front”. Ele tem um vínculo familiar com a história, já que o seu avô paterno Max Dreifuss lutou pela Alemanha na Primeira Guerra Mundial e, ainda depois, sobreviveu aos terrores do Holocausto, já que era um Judeu-alemão da Alsácia.

Em uma matéria de 2013, escrita pelo André Gomes para a Veja, Daniel concorria ao Oscar pelo filme chileno “No”. Ali ele disse que: “Quem entra na indústria porque quer fama, flashes e glamour descobre rápido que, para cada semana de badalação, há anos de trabalho, rejeição, relações profissionais difíceis, projetos que vêm e vão e incerteza”.

Isso tudo para falar que foi o espírito “bairrista” o principal fato que me motivou a ver o filme, mais do que a sua própria indicação ao Oscar. “Nada de novo no front” não é um filme de guerra qualquer. Ele poderia ter sido ambientado apenas no último dia, como foi a adaptação anterior – que eu não assisti. Mas ele humanizou as pessoas antes de levá-las à guerra, e durante também, mostrando cenas entre os adversários que os revelavam não apenas no papel de um soldado disposto a matar, mas de um pai, que nem
soldado era, convocado para aquela atrocidade e que carregava a foto de sua esposa e filha no bolso da farda.

As cenas são muito dolorosas. Por vezes eu parei o filme para tomar uma água, passar um café para, assim, continuar. As expressões dos atores, os contextos das histórias, a dualidade de quem está no campo de guerra, passando fome e sede, e quem está no comando da guerra, alimentando o cão com pedaços de carne ou reclamando de uma iguaria “adormecida”.

Muitas cenas seriam as que eu indicaria como mais marcantes, mas não sai da minha mente o momento em que um soldado, na tentativa de sobreviver, mata o outro. O barulho da agonia da morte de um enlouquece o outro. E na tentativa de fugir daquela tomada de consciência, que já o perturbava, o soldado tenta sufocar o outro e, em seguida, salvá-lo. Eram opostos em uma guerra sem sentido. Agora, olhares humanos que só queriam voltar para casa. 

Os filmes de guerra que eu vi na adolescência não mexeram tanto
comigo quanto este. Não sei se foi o filme, se fui eu ou se ambos. Não sei se é o momento, de extremismos locais e de uma guerra real em curso, mas o “Nada de novo no front”, produzido desta forma, me trouxe uma angústia. Desde outubro de 1914 até novembro de 1918, que foi o fim da Primeira Guerra Mundial, três milhões de pessoas morreram nas trincheiras e quase dezessete milhões de soldados morreram na guerra.

Quantos jovens não foram por um ideal, inclusive mentindo a idade para que pudessem ser aceitos no alistamento! Quantos filhos, pais e esposos amados não conseguiram voltar para casa! Quanta barbaridade foi produzida depois daquilo, inclusive com uma segunda guerra e seus abomináveis e inaceitáveis campos de concentração nazistas. Quanta vida dizimada por projetos de poder de poucos poderosos. É a guerra! 

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