Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Ser especial

30/09/2022 às 06:00.
Atualizado em 30/09/2022 às 09:55

Uma casa ampla, com espaço para muitas atividades, em que as pessoas estão felizes. Esta foi a impressão que tive ao entrar na escola Ser Especial, no bairro Serra, em Belo Horizonte.

Sentado, esperando para ser atendido, ouço a diversão dos alunos em uma aula de artes. Não identifiquei o que estavam fazendo, mas o ânimo deles era evidente.

Em frente à minha poltrona, num imponente armário, as mochilas de todos eles descansavam, arrumadinhas, num ambiente claro, limpo, organizado.

Ao ser atendido pela diretora da escola, uma fonoaudióloga que aos dezessete anos de idade já havia decidido dedicar seu tempo à “educação especial”, fui me encantando com as histórias da sua própria vida, o amor que ela nutre à educação e aos seus alunos.

Ela me contou sobre o perfil dos alunos, como eles gostam de ir à escola: “tem aluno que no fim de semana coloca o uniforme e a família tem que trazer até a porta e mostrar que está fechada. Se pudessem, eles não teriam férias e nem fim de semana”, diz Viviane Câmara Pereira, a diretora.

Só depois de conhecer a casa e os alunos é que fui entender o motivo pelo qual eles gostavam tanto dali: há atividades diversificadas, pessoas por perto o tempo todo e um acolhimento que não substitui o da família, na minha percepção, mas que complementa e acrescenta em termos de aconchego, carinho, disciplina, cuidados.

Houve uma época em que se escondia um filho deficiente, em que ao entrar num ônibus, pais viam pessoas com síndromes e afastavam seus filhos com medo de serem contaminados pelos outros ou deles serem agressivos e impulsivos. Sim, isto acontecia e os estigmas eram reforçados por termos como “retardados” ou “mongoloides”, usados até hoje de maneira pejorativa e que em nada ajudam a trazer luz para a discussão da importância de olhar para essas famílias e enxergá-las. Elas existem.

Depois de uma conversa tão gostosa, de trocar ideias, de entender que há tantas famílias que ainda precisam conhecer um espaço como a Ser Especial, das dificuldades pós-pandemia, da alegria dos alunos ao voltarem, a Viviane, fonoaudióloga e diretora da escola, me levou para conhecer os espaços físicos da casa. Cada detalhe, cada cor usada naquela residência imensa, antiga e bem mantida deram a ideia do amor que há ali.

Viviane explicou que a escola é particular e que há alternativas, em escolas públicas, para o atendimento de pessoas com deficiência, mas que muitas das escolas atendem a demanda de adultos e idosos. Há uma procura por parte dessas famílias e ela não tem como atendê-las, me diz com muita dor. “Se a gente conseguisse um apadrinhamento desses alunos por empresas, por exemplo, conseguiríamos atender”, diz a diretora, que já tem equipe e estrutura para este tipo de serviço.

“Agora vamos lá ver a salas de aula”, disse a Viviane. Ao chegar na porta da primeira sala, uma aluna já fala: “Tio Flávio”. A diretora se surpreende e pergunta: “Você já conhece ele?”, no que ela respondeu: “li na camisa”. Eu estava com a camisa do Tio Flávio Cultural, movimento voluntário que coordeno.

“De onde você é?”, “Que tênis bonito”, “Quantos anos você tem?” foi parte da sabatina da primeira sala e todas as perguntas feitas pela mesma aluna.

Na segunda sala ficam alunos adultos e idosos. Felizes com a visita, eles querem conversar. Passo de cadeira em cadeira apertando as mãos, me apresentando e ouvindo as perguntas curiosas.

A primeira aluna que cumprimento é a mais falante, a outra quer saber qual era o meu carro e riu muito quando falei que eram as minhas pernas. Quando chego na última fila, cumprimento a aluna da frente, já mais velha. Todos têm um sorriso no rosto, até a professora, animada e cuidadosa. Eu paro ao lado de uma das alunas para cumprimentar a que estava atrás, quando sinto que a primeira aluna descansa a cabeça na minha cintura.

Uma das alunas me faz um convite: quer ser meu padrinho de casamento?

Um deles sabe todas as datas comemorativas e se diverte dizendo que está chegando “o Dia das Crianças e da Aparecida” e completa: “do professor também”. Todos querem comemorar o Dia das Crianças, com presente e festinha.

Quando me despeço, sempre fica a mesma pergunta de vários lugares que vou: “Você volta?” Não sei se minha volta será tão brevemente, mas sei que saí feliz em vê-los felizes. Entendi o cuidado de cada profissional, que faz um trabalho árduo e que exige muita atenção, dedicação e estudo, mas que alimenta cada sorriso que ganhei ali.

Para conhecer a escola, pode ver mais detalhes no instagram: @escola_ser_especial

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