A socióloga Marie Hennecke, da Universidade de Zurique, e o médico americano Benjamin Converse são autores da pesquisa “Próxima semana, próximo mês, próximo ano”, que analisa como marcos temporais influenciam nossas expectativas. A espera pela segunda-feira ou pelo novo ano é cheia de promessas. Um amigo manda uma mensagem para o outro, dizendo que o ano que vem será melhor do que este que se encerra, como se estivesse sentenciando o novo ano para que ele, por si só, seja bom.
Para muita gente, a virada de ano significa, de fato, o nascimento de um novo ciclo. Isso impacta a forma como nossa mente se prepara para o que está por vir. Um novo ânimo nos envolve, fazendo-nos entender, se tivermos coerência, que muito do que queremos para o novo ano depende da ação que realizamos e, para outras tantas coisas, há um mundo de intercorrências que podem nos tirar do eixo, nos conduzir para outros caminhos e assim por diante.
Sobre consciência e memória, a matéria da UOL, escrita por Isabella Abreu, para o “VivaBem”, traz uma fala de Mario Miguel, coordenador do Laboratório de Neurobiologia e Ritmicidade Biológica do Departamento de Fisiologia da UFRN, que explica: “São as emoções que modulam nossa atenção e, consequentemente, a noção da passagem do tempo. Além disso, elas também atuam sobre nossa memória. É por isso que, quanto maior for o conteúdo emocional do evento, mais atenção será direcionada e, assim, maior será o reforço nos circuitos de memória de longo prazo. Dessa forma, podemos explicar como eventos felizes, como momentos de lazer, tendem a formar memórias mais duradouras.”
Num recorte que faço agora, trago três histórias de Ano Novo que impactaram pessoas bem diferentes, cada uma com seus anseios e expectativas.
João vivia em outro país, onde construiu sua vida ao lado da esposa e de suas duas filhas pequenas. Antônio, seu pai, vivia sozinho em Lagoa Santa, na região metropolitana de Belo Horizonte, desde a morte da esposa. Morava na casa que sempre foi o lar da família e recusava-se a viajar para visitar o filho. “Meus pés estão fincados aqui, e é por aqui que quero ficar”, dizia com firmeza.
Ano após ano, João fazia planos para trazer a família ao Brasil, para uma visita ao pai. Mas as passagens ficaram muito caras, o tempo era curto, e as circunstâncias sempre complicadas. Em 2024, algo mudou: um bônus inesperado no trabalho e um esforço coletivo permitiram que, após mais de cinco anos, o reencontro fosse possível.
Numa manhã de dezembro, o senhor Antônio esperava no portão, nervoso. Ele não conhecia a neta mais nova, de apenas três anos, e sentia saudades do único filho e de sua família, que via sempre por chamadas de vídeo. Quando o carro parou e as crianças desceram correndo, o coração do avô quase saltou. Para o senhor Antônio, um Ano Novo diferente começava, cheio de risadas infantis para preencherem a casa.
Dona Luzia criou oito filhos sozinha. Abandonada pelo marido, que simplesmente saiu e nunca mais voltou (ela sabe dele e de sua nova vida, mas disso não quer falar), sustentou a família vendendo bombons e amendoins torrados nos bares de Belo Horizonte. Com muito sacrifício, conseguiu que todos estudassem. Este ano, o caçula, Caio, foi o último a se formar na faculdade.
“Agora a senhora pode parar, mãe,” disseram os filhos. Mas Luzia não conseguia ficar parada. Ainda que menos frequente, ela seguia torrando amendoins e comprando os bombons para vender. “Não é só pelo dinheiro. Eu gosto de conversar com as pessoas na rua. Tudo que tenho eu devo a este trabalho.”
Na noite de Ano Novo, os filhos organizaram uma ceia especial. Ao redor da mesa, Luzia olhava para cada rosto, seus meninos e meninas crescidos, todos agradecidos pela dedicação daquela mulher que nunca desistiu – ou desistiu do que devia. O futuro todos torciam para que fosse brilhante, mas o presente, naquele momento, era perfeito.
No abrigo “Casa de Maria”, o final do ano era sempre de muita ansiedade. Famílias apadrinhavam as crianças para passarem o Natal e o Ano Novo fora do abrigo. Mas, nesse ano, duas crianças acabaram não sendo apadrinhadas por ninguém.
Um menino, com apenas seis anos, perguntou: “Ninguém quis ficar com a gente, não, tia?”. A cuidadora, Marta, ajoelhou-se na frente dele, sorrindo: “Pelo contrário, querido. Tivemos que sortear quem ficaria com vocês, porque todos queríamos. E adivinha? Eu ganhei. Vocês são meu presente de Ano Novo.”
Os olhos das crianças brilharam. Na tarde da segunda-feira, dia 30 de dezembro, todas as cuidadoras se reuniram, mesmo as que estavam de folga, para almoçarem com as crianças e, à tarde, ambos foram de carro, com Marta, para a casa dela. Na noite do dia seguinte, a pequena ceia improvisada teve gosto de lar. Era uma celebração simples, mas carregada de amor. E quando os fogos iluminaram o céu, o menino abraçou Marta e disse: “Esse foi o melhor Ano Novo da minha vida.”
As três histórias se encontraram no brilho do Ano Novo, e na esperança que ele traz, tímida que seja. A mesma esperança presente num reencontro, em uma mesa cheia de conquistas ou em um gesto de carinho que ilumina a vida quando o amor se faz presente.