Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Um movimento social que faz sentido em muitas vidas

Publicado em 20/12/2024 às 06:00.

Para sair de Belo Horizonte e ir para São Paulo ou Rio de Janeiro fazer um curso com as empresas mais renomadas, o custo era muito elevado. Muitas pessoas deixavam de ter acesso a esse tipo de conhecimento por não terem recursos para arcar com todas as despesas. Em 2010, o acesso a cursos virtuais era muito incipiente, e boas palestras eram oferecidas gratuitamente apenas nas faculdades.

Conversando com alguns amigos, tivemos a ideia de criar um evento mensal que disponibilizasse vagas gratuitas a todas as pessoas interessadas em ouvir profissionais experientes compartilharem suas vivências. Como ninguém teria tempo de assumir a liderança do projeto, coube a mim esta responsabilidade, mas contei com o apoio desses mesmos parceiros para ações específicas: Daniel Guimarães, da 2DA, ficou responsável pelo material de divulgação; Guilherme Guerra, do Minas Marca, veiculava os eventos em sua mídia; Ricardo Ribeiro, da Slidemax, ajudava na elaboração dos slides dos convidados; Mateus Baranowski e Paulo Campos cuidavam das fotos; Léo Chebly promovia o evento pelo Sou BH, e assim por diante.

Começamos organizando palestras sobre comunicação, design, marketing, cultura e artes, e fomos crescendo até realizar quatro eventos por mês, sempre com lotação máxima, recebendo de 100 a 150 participantes por evento. Além do acesso à informação, esses encontros promoviam uma grande troca de contatos. Grandes nomes de vários segmentos passaram pelos nossos espaços, geralmente cedidos por shoppings, universidades e escolas.

Com o tempo, surgiram demandas por eventos específicos. Uma instituição social que precisava de palestras para seus funcionários era atendida; depois vieram convites para falar com jovens aprendizes, alunos de escolas públicas e crianças e adolescentes vinculados a igrejas. O Tio Flávio Cultural, que oficialmente adotou esse nome em 19 de dezembro de 2010, estava crescendo, sem se constituir juridicamente e permanecendo assim até hoje.

À medida que o movimento crescia, vimos a necessidade de organizar os voluntários que se juntavam ao time. Passamos a designar um ou dois gestores voluntários para liderar cada grupo, coordenando os demais membros. Esses grupos cresceram tanto que chegamos a ter, antes da pandemia, 80 equipes atuando em diferentes áreas sociais, cada uma com cerca de 15 a 30 pessoas.

O projeto inicial de palestras gratuitas abertas à comunidade transformou-se em um movimento social mais amplo, que, além de palestras, realizava visitas a instituições de longa permanência para idosos; casas de apoio a crianças e adultos com doenças graves; albergues e repúblicas para pessoas em situação de rua; casas de acolhimento para crianças e adolescentes; unidades de diálise em hospitais; presídios, Apacs e instituições socioeducativas.

Nosso objetivo era, por meio da educação, da difusão do conhecimento, do respeito e da empatia, ampliar as perspectivas das pessoas atendidas e, ao mesmo tempo, transformar a vida dos voluntários.

Nunca imaginei que a maior riqueza dessa iniciativa estivesse nos encontros, no contato humano, na oportunidade de ouvir histórias de vida, de conhecer fragmentos dessas trajetórias e, em muitos casos, de fazer parte delas.

Desses encontros vêm memórias marcantes: uma idosa que morreu segurando a mão de uma voluntária que a acompanhava durante sua internação. Essa mesma idosa costumava perguntar ao grupo se eu iria à visita, para preparar bolinhos de chuva e café para mim. Recordo-me de adolescentes que saíram de casas de acolhimento e seguiram novos caminhos, com ou sem uma nova família, carregando as marcas – ou a ausência – de vínculos familiares em suas trajetórias.

Lembro-me também de uma criança que chorava num abrigo porque queria voltar para casa, mesmo sabendo que o ambiente era precário: um espaço onde viviam 11 pessoas dormindo em colchonetes finos ou papelões. Ele fora retirado do convívio da mãe por negligência, mas ainda assim sentia uma falta imensa dela.

Havia um adolescente que sonhava em visitar a fábrica da Vilma Alimentos. Ele sabia o nome de todos os tipos de macarrão, inclusive o Pai-Nosso e a Ave-Maria. Quando ele dizia que tinha macarrão com estes nomes, eu achava que ele estivesse brincando. Ainda que com uma deficiência cognitiva, ele era o mais inteligente do abrigo, mas também o que tinha menos chances de adoção. Conseguimos realizar seu sonho: ele visitou a fábrica e ainda recebeu uma cesta cheia de produtos.

Uma paciente em tratamento de diálise levava balas e doces para os voluntários no dia das ações. Uma prima distante, que reencontrei em uma dessas visitas, agradeceu emocionada pelo trabalho que fazíamos. Pouco tempo depois, ela faleceu.

Penso no preso que hoje é nosso voluntário; na mulher que nos conheceu enquanto estava na prisão e, ao ser libertada, voltou para agradecer pelas palavras que ouviu. Ou no morador de rua que guarda em sua carteira um pequeno artesanato que ganhou durante uma de nossas ações.

Diante de tantas histórias e pessoas que impactam nossas vidas, destaco a dedicação, o comprometimento e o amor dos voluntários. Hoje, eles não são mais eventuais: tornaram-se uma base fixa, cheia de carinho e empenho em planejar e participar das ações, alimentando nossa esperança em um futuro mais solidário, humano e feliz.

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