Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Um novo ano pode ser um novo ciclo

Publicado em 06/01/2023 às 06:00.

“Em caso de despressurização da cabine, máscaras de oxigênio cairão automaticamente. Puxe uma das máscaras, coloque-a sobre o nariz e a boca, ajustando o elástico em volta da cabeça e respire normalmente, depois auxilie a criança ao seu lado.”

Esta é uma fala que entra quase que automaticamente em nossos ouvidos quando estamos dentro de um avião e que de tanto ouvi-la, já não damos mais a devida atenção. Há um outro fator para que esta fala se torne irrelevante todas as vezes que viajamos: a maioria das pessoas que conhecemos nunca precisou usar as máscaras e nem passou por um momento de despressurização de uma aeronave.

Pressurizar significa manter uma pressão semelhante à pressão atmosférica normal num local totalmente fechado.

No entanto, esta instrução passou a ser simbólica a partir do momento em que usamos para descrever que de nada adianta uma pessoa se anular, adoecer ou sucumbir-se para poder salvar uma empresa, uma relação, uma pessoa ou, até mesmo, uma causa.

É preciso estar vivo. Como dizia Gal Costa: “é preciso estar atento e forte”. E mais interessante ainda é que o forte, como cita a letra da música, não é estar bem o tempo todo ou esconder suas fragilidades, como muito bem explica a especialista Brene Brow em seu livro “A coragem de ser imperfeito”. Ser forte é estar preparado, saber o que se quer e, como diz outra música, “com que roupa eu vou”, ou seja, quais valores quero carregar comigo.

Todo início de ano vivemos a mesma história do “dia primeiro de janeiro”, que é motivo de esperança para muita gente, pois transformou-se num símbolo do recomeço, da nova chance que nos é “dada” a cada ano, de um novo ciclo mesmo. Bem sabemos que o primeiro dia do ano é um dia como outro qualquer. Um dia que vem logo depois do último dia do ano anterior.

Porém, se a gente for pensar direitinho, e pesquisar um pouco mais, há toda uma constituição do cérebro habilitada para fazer com que as nossas expectativas produzam neurotransmissores e hormônios capazes de nos darem ânimo para buscar, de fato, algo diferente.

Não é simplesmente dormir num sábado de um ano e acordar no domingo de outro ano.

Como diz a professora e neurocientista Suzana Herculano-Houzel, “mal começa o ano e já temos objetivos para os 365 dias seguintes: ganhar mais dinheiro, gastar menos dinheiro; quitar o cartão de crédito, o carro ou a casa; trocar de emprego, melhorar de vida, descansar ou, quase certamente, em tempos de sedentarismo, fazer exercícios e emagrecer.”

Ela ainda diz que para cumprir as resoluções de um novo ano é preciso, no entanto, de um cérebro que não só seja capaz de desejar e estabelecer objetivos, mas também de traçar planos.

“O mais importante, contudo, é constatar que o cérebro humano é tanto capaz de sonhar quanto de fazer acontecer. Desejar é bom, mas tecer um plano e passar à resolução é melhor ainda e traz satisfação dupla: com o resultado e com o mérito pelo resultado”, diz a especialista.

Mas o que tudo isto tem a ver com a cabine do avião que serviu de abertura deste texto? A resposta vem através de um provérbio chinês: “antes de mudar o mundo é preciso dar três voltinhas em casa”.

Sim, é isto mesmo.

A gente entra num ano cheio de planos, querendo revolucionar a nossa vida, mudar por completo, pois do jeito que está, não agrada e nos consome tempo e energia. Eis o primeiro engano, pois para se conseguir chegar no ponto final de uma longa caminhada, devemos ter a chegada como referência, mas é preciso estabelecer metas menores e alcançáveis, como dobrar a próxima esquina, e a outra, para conseguirmos atingir o objetivo final.

O ano vai avançando, a gente vai acumulando os problemas, correndo demais, abraçando o mundo, querendo estar em todos os lugares, fazer tudo quanto caiba num dia e nos esquecemos de ouvir a mensagem: “coloque a máscara de oxigênio”, pois eis que a turbulência chega e não estamos preparados. E neste caso ainda há um fato interessante: aprender a respirar em pressão atmosférica e buscar ajuda quando ela nos faltar.

Preparar-se é cuidar de si, das suas relações, do seu ambiente, do seu físico, mente e emoções. Saber seus limites e respeitá-los; entender a importância do outro, mas compreender que “antes de colocar a máscara em crianças e idosos, preciso ajustar a minha em mim mesmo”. É ter planos realizáveis, pois, repetindo a professora Suzana Herculano, “o cérebro humano é tanto capaz de sonhar quanto de fazer acontecer” e isso nos indica algo fantástico: podemos, sim, ter uma mudança efetiva e real com a vinda de um novo ano que vá além da virada de um dia para o outro.

© Copyright 2024Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por