Evelyn morava na periferia de Belo Horizonte e sonhava em ser bailarina. A rua onde ficava sua casa era estreita, marcada por buracos e poeira, mas na cabeça dela havia sempre um palco iluminado por onde quer que fosse. O corpo miúdo arriscava passos sobre o asfalto irregular, improvisando piruetas diante dos vizinhos que olhavam curiosos.
O balé, para a família, parecia coisa de outra gente. Para ela, foi um encanto que conheceu em programas de televisão. Em sua casa havia contas atrasadas, correria para conseguir o básico e as prioridades eram outras. Mas, para aquela menina, dançar não era luxo, era necessidade. Foi num projeto social, mantido por voluntários, que ela calçou pela primeira vez uma sapatilha. Não eram novinhas, mas, para ela, representavam o passaporte para seu sonho.
Com o tempo, aprendeu mais do que técnica. Descobriu disciplina, força, postura. Chorou diante das dificuldades, caiu muitas vezes, ouviu críticas duras, mas também escutou palavras de incentivo que lhe deram coragem para continuar. Anos depois, quando recebeu o convite de uma escola internacional, chorou de novo. Não de dor, mas pela conquista.
Saiu da periferia e atravessou fronteiras. A periferia foi a base. Não foi apenas a história de uma menina que realizou um sonho, mas foi a prova de que o voluntariado pode mudar destinos. Sem aquele projeto, Evelyn provavelmente teria seguido o destino de tantas outras meninas de sua comunidade, repetindo ciclos. A determinação, a arte e o voluntariado romperam esse roteiro que parecia já escrito.
Quem doa talvez nem imagine que uma cesta, numa família de cinco pessoas, não chega a durar dez dias. Para quem recebe, são dez dias de uma nova chama acesa. O voluntariado tem esse poder de mostrar a realidade sem disfarces. Quem entrega a cesta, ao ouvir a gratidão, percebe que solidariedade não é sobra: é partilha. E volta para casa tocado. Não tem como não se sensibilizar.
Tem também aquela mãe que sai de casa de madrugada, carregando pela mão a filha pequena que precisa de quimioterapia em Belo Horizonte. O corpo cansado, a ansiedade no peito e a falta do café da manhã. Ao chegar ao hospital, encontra voluntários que oferecem café quente, pão, frutas e até achocolatado. O gesto é simples, mas o efeito é imenso: alguém se importou. É mais do que alimento, é acolhimento.
Muitos de nós, em nossas rotinas automáticas, talvez nunca pensássemos que um pão e um café pudessem ter tanto valor. Mas, para aquela mãe e sua filha, o café era um sinal de que não estavam sozinhas. O voluntariado tem essa capacidade de mostrar que o cuidado mora no que é simples.
Em outro bairro da cidade, uma jovem encontrou num projeto comunitário a chance de aprender Libras. Não foi apenas um curso, mas a descoberta de uma nova forma de comunicar e compreender o mundo. Hoje ela é estudante da UFMG, no curso de Letras-Libras. Ali percebeu que cada gesto pode ser palavra, cada sinal pode ser ponte. Essa oportunidade só existiu porque alguém acreditou que a inclusão começa pelo acesso e decidiu ensinar.
E havia ainda a criança que entrou numa biblioteca comunitária e se apaixonou. Descobriu o prazer da leitura e foi contagiando outras crianças. Os livros, antes inacessíveis, estavam ali ao alcance das mãos. Eram coloridos, cheios de histórias que a levavam para lugares que nem imaginava existir. Cada página virada era uma nova descoberta. Para quem só conhecia as ruas estreitas do bairro, os livros abriram portas para castelos, florestas, planetas. Tudo isso porque alguém acreditou que a leitura não podia ser privilégio de poucos e decidiu abrir uma biblioteca onde antes havia abandono e descaso.
Essas histórias lembram que o voluntariado é mais do que um gesto de boa vontade. É uma atitude, uma forma de se inserir no mundo. É um convite para sair da bolha. Um olhar atento e a tempo. É um modo de viver.
Em 28 de agosto, Dia Nacional do Voluntariado, não celebramos apenas quem doa tempo. Celebramos quem doa horizontes, quem abre possibilidades, quem transforma a si mesmo enquanto transforma o outro. Em tempos de pressa e individualismo, em que cada um corre para sanar suas próprias urgências, o voluntariado aparece como contrapeso. Ele ensina que abrir espaço para o outro é também abrir espaço dentro de nós.
O cérebro prefere a repetição porque dá menos trabalho. É mais fácil viver nos mesmos lugares, conversar com as mesmas pessoas, manter os mesmos hábitos. Mas o voluntariado quebra esse ciclo. Ele nos coloca diante de dores e conquistas diferentes das nossas e obriga o cérebro a se reorganizar. É nesse processo que nos tornamos mais flexíveis, mais abertos, menos preconceituosos.
O voluntariado não pode ser reduzido a uma hora por semana ou a uma obrigação de calendário. Ele lida com a simplicidade, mas é complexo porque mexe com todos os lados da experiência humana. Ajuda quem recebe, mas fortalece quem doa. Cria vínculos, derruba preconceitos, ensina a olhar o mundo com mais generosidade. Se o cérebro se fortalece quando é desafiado, o voluntariado é o exercício que nos torna mais humanos. Mostra que solidariedade não é favor, mas aprendizado coletivo.
O voluntariado é a prova de que, quando abrimos espaço para o outro, é o nosso próprio coração que aprende e se expande.