Ingratidão. Eis um conceito recorrente na história da cristandade, onde a falta de apreço por quem lhe é benevolente retrata figuras de postura hedionda como a do rei Saul em relação ao seu genro David e, é claro, daquele que virou sinônimo de traição: Judas. Não tenho o costume de compartilhar as portas na cara que a vida me apresentou até aqui, a dureza da infância no nordeste ou cada percalço que a minha família, pobre daquilo que o dinheiro pode comprar, precisou lidar. E por uma razão simples: para mim, a riqueza mais nobre é aquela que transcende à nossa individualidade, à vaidade e a qualquer item de luxo que, por exemplo, o governador de Minas Gerais pode desfrutar com o seu patrimônio superior a R$ 130 milhões. E eu jamais serei comunista. Portanto, não tenho problema algum com o dinheiro alheio. É que hoje, nesta reflexão, o buraco é mais embaixo, caro leitor.
Os meus pais não falharam em me ensinar que a nossa maior riqueza não é financeira, mas sim de caráter. Agora, é triste constatar como homem, político e eleitor, que a referência maior do Estado, ao menos no status de seu cargo, embora tenha mais de R$ 130 milhões, não possui um centavo de lealdade.
A equação é simples – ou estamos diante de uma mutação genética, ou aquele que disse que não elevaria cobranças à população, e fez de Minas o estado com a maior taxa cartorial do país, e o mesmo que prometeu ausência de privilégios, mas saltou de R$ 7,9 bilhões de isenção fiscal, em 2019, para R$ 25,2 bilhões no presente, é de uma metamorfose ambulante digna de invejar o mais polivalente ator. Coerência zero entre discursos públicos e política diária. A falta de óleo de peroba é tão grande que os inúmeros registros históricos de ações conjuntas entre Zema e Bolsonaro sequer pairam na cabeça daquele que supõe ser o primeiro Presidente da República eleito pelo partido Novo.
A ingratidão não passará impunemente. Encerro recordando uma característica sólida dos mineiros: aqui há inteligência suficiente para aposentarmos das urnas quem esquece a própria história e também suas promessas de campanha. Carlos Bolsonaro classificou governadores oportunistas como “ratos”. Mas como é saudável complementar os amigos, permita-me um adendo, Carlos: os ratos não merecem comparação com homens cuja honra é frágil. Nesse banho de hipocrisia em rede nacional, é válido lembrar os ensinamentos de Edmund Burke, a ingratidão é filha da soberba; e antes que eu me esqueça, Minas Gerais não adota arrogantes. Quando a máscara cai, se você é vazio, sobra o oco. Sobra a superficialidade. Sobra o vão e, neste caso, também o sapatênis.