'Pais e Filhos' faz reflexão sobre sociedade japonesa

Luiz Zanin Oricchio
02/01/2014 às 11:30.
Atualizado em 20/11/2021 às 15:06

Pais e Filhos, de Hirazaku Kore-eda, trata das questões emocionais envolvidas num caso de troca de bebês na maternidade. Os dois meninos têm 6 anos e, constatado o equívoco, psicólogos e médicos aconselham as duas famílias a "destrocar" as crianças quanto antes. Pode-se imaginar a quantidade de sofrimento envolvida numa situação como essa, tanto para as crianças como para os adultos. Dessa matéria emocional é feito o novo filme de Kore-eda.

Mas, ao contrário do que pode se pensar a princípio, Pais e Filhos não é apenas um filme de relações afetivas. Por meio do caso, Kore-eda interpreta o âmago da sociedade japonesa contemporânea e registra como ela se comporta no tocante à questão da diferença.

O ambicioso arquiteto Ryota (Masaharu Fukuyama), o pai "laborioso", não está plenamente satisfeito com seu filho, apesar de Keita (Keita Nonomya) ser uma criança encantadora. Ryota o acha pouco competitivo. Quando sabe que ele não é seu filho biológico, o arquiteto, sem querer talvez, pronuncia uma frase terrível: "Agora está tudo explicado".

A ele se opõe Yudai (Lily Franky), o pai "lúdico", podemos chamá-lo assim. Ele brinca com as crianças, toma banho com elas, é dono de uma modesta lojinha e parece pessoa pouco ambiciosa. Costuma dizer uma frase que soa como blasfêmia numa sociedade dominada pela ética do trabalho, como a japonesa: "Nunca faça hoje o que pode deixar para amanhã".

Sem revelar muito da trama, podemos dizer que há um deslocamento ético ao longo da história. A uma ética do trabalho, contrapõe-se uma ética do afeto. Nem sempre as duas podem coexistir, o que tem implicações sociais muito graves.

Apesar da distribuição bastante equilibrada dos papéis (entre as crianças e os dois casais), é evidente que Ryota é o personagem mais em evidência. Porque, justamente, é o mais problemático.

Pais e Filhos completa um ciclo de reflexão sobre a sociedade japonesa iniciado com o clássico Era Uma Vez em Tóquio (1953), de Yasujiro Ozu. Neste, os pais idosos saem do interior para visitar os filhos na cidade, mas estes não têm tempo para os velhos, envolvidos que estão com seus problemas e afazeres próprios da correria da vida moderna. O Japão do pós-guerra muda suas estruturas sociais em face da ocidentalização e se desumaniza para se desenvolver em ritmo acelerado.

Em Pais e Filhos, 60 anos depois, o Japão da crise faz o balanço dessas décadas de desenvolvimento acelerado. Mostra o preço que foi pago e se pergunta pelo caminho a seguir.
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