Papa assume crime de padre

Hoje em Dia
12/04/2014 às 08:42.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:05

O papa deu ontem um exemplo que deveria ser seguido por governantes no mundo inteiro. Em vez de lavar as mãos diante de um escândalo ou de tentar atribuir responsabilidades a terceiros, Francisco as assumiu claramente, ao falar a um grupo católico de direito das crianças, referindo-se à pedofilia na Igreja.    “Sinto-me compelido a assumir pessoalmente todo o mal causado por alguns padres”, afirmou o papa, segundo a Rádio do Vaticano. Francisco disse que, comparativamente ao total de padres, os que abusam de crianças são “bem poucos em números”.    É verdade. Mas esse é um problema antigo da Igreja Católica, que quase nunca, como agora, se mostrou tão disposta a resolvê-lo. Ela está ciente “do dano pessoal e moral causados por homens da Igreja”, afirmou o papa. “Nós não daremos um passo para trás com relação à forma como vamos lidar com este problema, e as sanções que devem ser impostas”, acrescentou.   Há cinco meses, o Vaticano anunciou a criação de um grupo formado por clérigos e leigos para ajudar no combate à pedofilia na Igreja. Desse grupo faz parte a leiga Marie Collins, que foi líder de uma campanha por justiça para as crianças que foram abusadas sexualmente na Irlanda. Ela foi uma das vítimas, na década de 1960.    O Comitê de Direitos das Crianças, das Nações Unidas, divulgou no mês passado relatório em que critica a Igreja por ter mantido em sigilo as investigações eclesiásticas sobre abusos contra milhares de crianças. Muitos ocorreram entre 1960 e 1990, principalmente nos Estados Unidos e na Irlanda. Em entrevista, o papa afirmou que ninguém tem feito mais que a Igreja Católica na luta contra a pedofilia e criticou por não se fazer a mesma cobrança a outras instituições.    Crimes de pedofilia podem custar caro à Igreja. Vários tribunais, sobretudo nos Estados Unidos, têm aplicado elevadas indenizações. No Brasil, há cinco meses, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a Igreja também é responsável pela indenização de vítimas de padres pedófilos, ao julgar um caso ocorrido em 2002, no Paraná.    Em julho do ano passado, o papa assinou decreto reformando o Código Penal do Estado do Vaticano. Além de introduzir a tortura entre os crimes a serem punidos, ampliou a definição dos delitos contra crianças e adolescentes. A referência à tortura não é tão estranha assim. Na Idade Média, as inquisições eclesiásticas usavam-na como método autorizado pela Igreja para obter confissões de suspeitos de heresia. Ou de bruxarias.    Em muitas delegacias policiais, o método ainda é adotado, mesmo que não mais às claras. Sua tipificação como crime pela Igreja demorou, mas parece ter vindo para valer. Os governos fariam bem em imitá-la contra todos os tipos de tortura. A começar pelo mais infame, física e moralmente – o abuso sexual de crianças. 

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