Na avaliação de advogados, o bloqueio do aplicativo WhatsApp é arbitrário e abusivo. A Justiça do Rio mandou bloquear o serviço de mensagens a partir desta terça-feira, 19, em todo o Brasil. A decisão da juíza Daniela Barbosa Assunção de Souza, da comarca de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, determinou que o serviço seja bloqueado pelas principais operadoras do País - Tim, Vivo, Claro, Nextel e Oi.
A magistrada exige que o Facebook - proprietário do WhatsApp - ceda informações de conversas de suspeitos de crimes investigados no País, em um processo que corre em segredo de Justiça.
Para Fernando Augusto Fernandes, sócio do Fernando Fernandes Advogados, a arbitrariedade de bloqueio generalizado se renova. A medida já ocorreu outras vezes. "É necessário impedir este abuso. Nenhum juiz tem o poder de impedir a comunicação de milhares de pessoas que não estão em sua jurisdição, já que não somos réus no processo que preside. O máximo que poderia era arbitrar multa financeira que pode ser revisada pelas instâncias judiciais. É mais um ato em que o Judiciário brasileiro expõe a insegurança jurídica nacional, que é hostil ao empresariado, ao mercado e aos direitos individuais. O FBI moveu todos os esforços para a Apple quebrar a criptografia do iPhone e não se viu o CEO da empresa ser preso por causa disso", comparou o criminalista.
Alexandre Zavaglia Coelho, diretor executivo do Instituto de Direito Público de São Paulo e especialista em Direito e tecnologia, afirma que "obrigar o WhatsApp a manter o conteúdo de mensagens e gravações seria o mesmo que obrigar as empresas telefônicas a manter conversas gravadas o tempo todo".
Segundo ele, a obrigação é inviável operacionalmente e, ao mesmo tempo, pode violar o direito de privacidade. "Por outro lado, o Marco Civil da Internet obriga a guardar o relatório das entradas e momentos das conversas. Essa solução é desproporcional e afeta toda a coletividade", alertou.
O criminalista Daniel Bialski, sócio do escritório Bialski Advogados Associados, também critica a decisão. "Novamente não podemos compreender como um juiz, a quem caberia agir com parcimônia e plena isenção, não consegue tomar medidas menos radicais para fazer cumprir suas determinações", afirmou.
"Além disso, não se pode aceitar que tome decisão pela eventual desobediência de alguns, tornando possível o prejuízo de milhões de usuários. Esses sistemas servem inclusive para comunicações quase que oficiais. A Justiça usa o WhatsApp para comunicar atos, audiências e formalizar acordos, por exemplo. Há flagrante ofensa ao direito líquido e certo de todos", apontou o criminalista.
Esta é a terceira suspensão judicial do serviço americano no Brasil. A primeira ocorreu em dezembro de 2015, quando o bloqueio do aplicativo foi pedido pela juíza Sandra Regina Nostre Marques, da 1ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo (SP). Uma liminar do desembargador Xavier de Souza, da 11ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, suspendeu a decisão no dia seguinte.
Em maio deste ano, uma decisão da Justiça de Sergipe mandou bloquear o WhatsApp por 72 horas. A decisão também foi suspensa após um dia após o desembargador Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima, do Tribunal de Justiça de Sergipe, aceitar um pedido de liminar do próprio WhatsApp.
Além disso, no final de junho, a Justiça Federal de Londrina, no Paraná, determinou o bloqueio de R$ 19,5 milhões das contas bancárias do Facebook no País, em decorrência do descumprimento de uma decisão judicial direcionada ao WhatsApp. Desta vez, o aplicativo só voltará a funcionar, segundo a juíza, quando o WhatsApp cumprir a decisão.
"A alternativa para equacionar os problemas decorrentes das obscuridades e lacunas na lei é a assinatura de um Protocolo de Regularização de condutas entre o Judiciário e o provedor de serviços, Whatsapp por exemplo, sobre a troca e divulgações de informações de interesse público e de segurança nacional", observou Maristela Basso, professora de Direito da USP e advogada associada do Nelsons Wilians e Advogados Associados.
O coordenador da pós-graduação em Direito Penal Econômico do Instituto de Direito Público de São Paulo, Fernando Castelo Branco, afirma que ordem judicial se cumpre, sob pena de se incorrer no crime de desobediência. "Entretanto, não se pode deixar de avaliar que, na busca da tutela e proteção de determinado bem, a decisão judicial possa impactar e prejudicar bem coletivo muito maior. A decisão deverá ser revista, com grandes chances de ser reformada, como já ocorrido em situações anteriores", finalizou.