(Prefeitura de Nova Lima/Divulgação )
Na vida política desde 1976, Vitor Penido, de 77 anos, afirma nunca ter enfrentado uma situação tão desafiadora como a pandemia do novo coronavírus. À frente da Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Granbel), cargo que já ocupou em pelo menos quatro ocasiões, o prefeito de Nova Lima demonstra preocupação com o cenário atual e diz que a situação deve piorar, caso nada seja feito nos próximos meses. Inclusive, as administrações municipais podem enfrentar problemas até no pagamento dos servidores. A flexibilização, segundo Penido, é uma forma de amenizar problemas futuros. Confira nesta entrevista ao Hoje em Dia como ele avalia o cenário atual.
Como é ser prefeito em meio a uma pandemia dessa magnitude?
Inimaginável. Nunca se poderia imaginar, num final de mandato, ter um problema que pegou todo mundo totalmente desprevenido. Em nosso país, mais ainda, pelo fato de praticamente a maior parte dos municípios ter vários problemas, inclusive, de infraestrutura, como água encanada, esgoto. Quando se entra numa situação desta, com certeza, é um agravamento da situação.
Qual avaliação o senhor faz da Covid-19 no país?
Comparando o número de mortes registradas no Brasil à população, está bem abaixo de outros países, principalmente da Europa. Se pegar 12 mil mortos no Brasil e dividir por 215 milhões de habitantes, tem taxa de letalidade baixa. Claro, é assustador. Não estou dizendo que é uma situação confortável, mas tem que se pedir a Deus que esse número não se altere muito e, se puder, até reduzir, como temos tentado fazer em Nova Lima.
A situação em Nova Lima, em relação ao novo coronavírus, é preocupante?
Graças a Deus não tivemos nenhuma morte. Até a última terça-feira, tivemos 1.527 pessoas notificadas, apresentando gripe, dor no peito ou sintomas que podem gerar dúvida se é ou não coronavírus. Desses, 694 foram descartados. Em investigação temos 637; casos confirmados, 96. Desses, recuperados são 80 e há 16 ainda em tratamento.
Esses em tratamento estão em estado grave?
Não, todos em casa.
Os números da Covid-19 na cidade basearam o início da flexibilização da quarentena, no último dia 5. Como o senhor avalia a retomada de algumas atividades no município?
Tem uma parte do município com número menor (de infectados). Para a flexibilização, fizemos um trabalho junto à Associação Comercial de Nova Lima e à Ordem dos Advogados. A Câmara Municipal não quis se manifestar. A nossa equipe, comandada por um médico infectologista, juntamente com os secretários municipais de Saúde e de Administração, se reúne semanalmente e faz uma avaliação da abertura que fizemos. Os comerciantes estão cumprindo as determinações (para a flexibilização) e sendo fiscalizados. Para poder abrir as portas, todos eles devem assinar um documento de responsabilidade, ter cuidados no atendimento à clientela e estar em condições de atendimento, com máscaras, atentar-se para a higienização com álcool gel e não ter aglomeração dentro do espaço.
Qual a punição para quem descumprir as normas de segurança?
Temos fiscais rodando toda a cidade. Havendo descumprimento, numa primeira vez, o empresário será notificado. Em caso de reincidência, poderá até ter o alvará de funcionamento cassado.
Mesmo com a flexibilização da quarentena com base em estudos feitos pelos comitês específicos criados nas cidades, ainda há crítica de o afrouxamento estar ocorrendo em localidades que fazem limite com a capital mineira, que, em caso de necessidade, pode atender pacientes de outros 85 municípios.
De modo geral, a paralisação em nosso país traz uma série de consequências. Ao flexibilizar, o município tenta amenizar problemas futuros, como na economia. Da forma como está, os hospitais, de modo geral, não aguentam mais do que dois meses, vai ser a falência de todos eles. No nosso caso, por exemplo, a prefeitura repassa ao Hospital Nossa Senhora de Lourdes, que é filantrópico, algo em torno de R$ 1,5 milhão por mês. Com a paralisação e priorização da assistência a um possível aumento de infectados (pelo coronavírus), eles não estão fazendo atendimento eletivo. Com isso, há uma ociosidade, não só lá, mas também nos hospitais particulares. Estamos muito preocupados com isso. Nossos profissionais de saúde estão nos postos de trabalho, à disposição para prestar relevantes serviços, mas acabam também tendo preocupação sobre como isso vai continuar, de que forma vai continuar e como vamos pagar esse pessoal no futuro. As nossas receitas estão despencando. Em Nova Lima tivemos, em abril, queda de R$ 14 milhões, o que representa quase 30% da nossa arrecadação. Já Belo Horizonte deve estar perdendo uma fortuna. Mas todas as cidades da região metropolitana estão sendo afetadas com a queda acentuada de receitas.
Em relação às cidades próximas a Belo Horizonte, o afrouxamento não deveria ser decidido em conjunto até mesmo com a capital?
Estados e municípios têm autonomia, até mesmo pelo STF (Supremo Tribunal Federal), para adotar essas medidas. Dos 34 municípios da região metropolitana, praticamente todos estão abrindo aos poucos. É respeitar a situação de cada um, cada um tem suas características. Temos nos reunido semanalmente com o prefeito Alexandre Kalil para conversas sobre as ações. Ele tem a posição dele e a respeitamos.
A Granbel tem um levantamento de quantas demissões e qual a queda na arrecadação dos 34 municípios que a compõem?
Não temos, mas sabemos que o setor público é o único que não foi afetado. A iniciativa privada está em fase de cortes, demissões e até falências. Acredito que o nosso Congresso tinha, de modo geral, que se preocupar em fazer cortes. É muito preocupante. Pode se chegar a um momento que toda essa bomba pode estourar e complicar a situação mais ainda.
Como o senhor avalia a ajuda da União aos municípios nesta pandemia?
O governo federal está liberando recursos para cobrir parte, não 100%, dessa queda de receitas. Mas sabemos que vai chegar a um ponto, se não melhorarmos na flexibilização, que vão faltar recursos, medicamentos, assistência.
O senhor tem alguma expectativa dos recursos federais, aprovados pelo Congresso, que devem vir para os municípios da Grande BH?
O dinheiro que estão repondo para Nova Lima gira em torno de R$ 11 milhões, o que não cobre a queda de arrecadação que tivemos em abril. Agora, imagina: a folha de salário da Prefeitura de Nova Lima é R$ 22 milhões por mês. O socorro não é nem a metade da nossa folha de pagamento. Em Nova Lima, no entanto, a situação é um pouco diferente, pois, quando entrei, há três anos, fizemos cortes, pois não tinha como o município sobreviver da forma como estava. Hoje é uma cidade saudável, porque tomei medidas de corte lá atrás. Não contávamos com esta bomba atômica que caiu no mundo e no Brasil. Se não tivesse feito esses cortes, não estava nem na cadeira de prefeito. Estaríamos sem condições de pagar salários, a parte da saúde toda desestruturada.
As cidades da Grande BH correm risco de não pagar o salário do funcionalismo?
Quase 90% dos municípios, por conta da queda de receita, que deve ser pior ainda em maio, passam a ter problemas seriíssimos de recursos para pagar salários. Não deve ser o caso de Nova Lima e mais um dois ou três municípios, mas muitos irão ter dificuldades. Os recursos federais podem resolver o mês de maio, mas já complica para os meses de junho, julho, agosto. Mas, com certeza, se permanecer o atual quadro, fica praticamente quase impossível governar o município.
A Granbel tem acompanhado as taxas de ocupação e déficit de leitos na Grande BH?
Isso fica a critério do Estado, que tem passado essas informações. Mas se comparar Minas Gerais com o restante do Brasil, ainda estamos numa situação um pouco menos ruim em razão de leitos.