(Eduardo Avelar/Hoje em Dia)
Com mais de 200 anos de história, a antiga Vila do Príncipe e uma das importantes vilas do ouro em Minas Gerais, fundada em 1799, a cidade histórica de Paracatu é sem dúvidas um dos mais importantes polos culturais do Estado.
Tombada como Patrimônio Cultural do Brasil, em 2010, pelo IPHAN, a cidade ainda tem sua economia ligada ao extrativismo mineral através da canadense Kinross, que até hoje explora o ouro na região.
Mas movimentos da população já estão apontando para o futuro, quando esse ciclo econômico terminar, através de ações para a preservação de suas tradições culinárias, o outro grande e inesgotável tesouro, que são as suas tradições culinárias.
Uma referência no ar
Bastam alguns minutos ao entrar na cidade de Paracatu para perceber, pelos aromas permanentes no ar, que algo diferente acontece por lá. Especialmente no Centro Histórico e nos seus arredores, o perfume inebriante das quitandas saindo quentinhas dos fornos é um grande indício da identidade gastronômica local.
Mais alguns minutos de atenção e as padarias, lanchonetes, pastelarias, quitandas de empadas e pães de queijo surgem a cada esquina, em cada quarteirão, numa proporção que nos remete aos botecos de Belo Horizonte.
Se a praia de BH são os bares, em Paracatu são suas quitandas, e as suas ondas são os fornos, a lenha ou a gás, pilotados por quitandeiras e quitandeiros com muita história e tradição.
A capital mundial dos pães de queijo
Há quem possa reclamar dessa associação de Paracatu e o melhor pão de queijo que existe no mundo. Cada mineiro tem a sua receita e a sua preferência mas, para os paracatuenses, sua versão se fundamenta num conjunto de detalhes que dificilmente outra localidade pode se candidatar ao posto de Cidade do Pão de Queijo ou da Quitanda.
Segundo os orgulhosos cidadãos da antiga Vila do Príncipe, além da qualidade e produtividade da bacia leiteira da região, seus queijos têm qualidade superior, e apenas por alguns detalhes políticos, segundo eles, não estão ainda incluídos no seleto grupo dos DOC’s mineiros do Alto Paranaíba e entorno. Mas pouco se importam com isso, pois existem outros atributos das quitandas locais que são imbatíveis. A começar pela maneira de preparo dos pães de queijo, “diferente do resto do mundo”, pois não são escaldados. “Cada criança que nasce na cidade já tem essa receita na ponta da língua, assim como os franceses com seus vinhos”, gabam-se os felizes paracatuenses.
Somente em uma das produções artesanais “de fundo de quintal”, uma quitanda local produz 8 mil pães de queijos diariamente, ocasionando fila permanente de compradores.
Num raio de poucos metros na cidade, existem pelo menos três grandes produções exclusivas como essa, fora as incontáveis padarias e lanchonetes que tem produção própria, reforçando o título de Capital Mundial do Pão de Queijo. “Podem até existir iguais, mas melhores, impossível, e no quesito quantidade, desafiamos qualquer cidade em Minas e no mundo”, completam os quitandeiros, engrossando o coro de 200 mil habitantes e simpatizantes.
O Quintal do Pão de Queijo
No fundo da casa é onde Adriano da continuidade ao trabalho iniciado no ano 2000 pela mãe Dona Isaura, e pelo padrasto, Sr José dos Santos (já falecido), uma produção que se tornou a grande referência em pães de queijos da cidade e da região. Dos três fornos a lenha saem os tabuleiros que enchem imensas cestas que rapidamente são vendidos no local ou mesmo através de entregas. São varias motos levando a iguaria para os clientes de toda parte.
Tradição de gerações na família de Dona Isaura, a receita não tem grandes segredos, apenas que o polvilho não é escaldado, como acontece em outros lugares, mas assim manda a tradição da cidade, e hoje, a receita ainda é produzida da mesma maneira de antigamente pelos 14 funcionários do “Pão de Queijo Delicia de Paracatu”.
As famosas empadinhas de pele fina
Outra tradição que eleva o nome das quitandas de Paracatu são suas maravilhosas empadinhas de pele fina, cuja produção faz parte da vida de centenas de famílias locais há varias gerações. Grandes mestras se formaram ao longo do tempo e vem passando suas habilidades aos mais jovens. Produzir e comer as indescritíveis empadinhas, com ou sem pimenta, passou a fazer parte do cotidiano das pessoas na cidade.
A simpática Dona Lucinha é uma dessas grandes mestras que ha 50 anos produz uma das mais famosas empadinhas de lá, e hoje tem em sua garagem mais três funcionárias, que produzem cerca de 4000 unidades por dia. As jovens ajudantes de dona Lucinha ainda não passaram dos 35 anos, mas já tem mais de 20 anos de experiência, garantindo para as próximas gerações a manutenção dessa tradição paracatuense.
‘A Arte Culinária de Viver’
Esse é o título do livro de receitas publicado por Dona Lazy, 89 anos, a grande mestra das mestras de Paracatu. Ainda hoje, ela prepara quitandas e quitutes que escrevem a sua história e a história das cozinhas de sua cidade.
Sua brilhante e respeitável trajetória começou com apenas nove anos de idade, quando ficou órfã de mãe. Suas primeiras incursões na cozinha se deram com ajuda de seu pai, que improvisou um caixote junto ao fogão a lenha para que ela cozinhasse para a família.
Um dos maiores legados culinários de D. Lazy é preservar e perpetuar a receita do Bolo de Domingo uma das mais antigas tradições de Minas Gerais.