Parados no vermelho: motorista de escolar faz bicos e teme o futuro, mesmo com volta às aulas

Evaldo Magalhães
efonseca@hojeemdia.com.br
31/10/2020 às 16:52.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:55
 (Evaldo Fonseca)

(Evaldo Fonseca)

Três a cada dez dos cerca de 2 mil motoristas autônomos de vans e ônibus do transporte escolar em Belo Horizonte, a maioria deles (1,5 mil) com registro na BHTrans e o restante com autorização do DEER, não devem retornar à atividade, suspensa há sete meses – desde o fechamento das unidades de ensino –, mesmo com o eventual fim da pandemia da Covid-19. 

A estimativa é do presidente do sindicato da categoria (Sintesc), Carlos Eduardo Campos, para quem os que voltarem (só no ano que vem), dependendo das circunstâncias, poderão encontrar cenário ainda pior que o atual. “Esse percentual é uma opinião minha baseada na quantidade de desfiliações do sindicato, de vendas de veículos feitas pelos associados e até da perda de vans, tomadas pelos bancos devido a atrasos no pagamento de prestações, algo que tem crescido bastante”, afirma o dirigente. 

Os que resistirem até o aguardado retorno das aulas – boa parte fazendo meio de “bicos” como a entrega de encomendas compradas on-line, atuando para os Correios ou outras empresas – podem desanimar de vez. 

"Com os protocolos de segurança que devem ser adotados, como o que reduz à metade a capacidade de passageiros nas vans, o negócio pode ficar inviável”, explica Campos, lembrando que com 7 em vez de 15 alunos em um desses veículos, o custo de operação para o motorista é o mesmo, mas a remuneração despenca.

Entregadoras
Há mais de 25 anos atuando como transportadora escolar, Regina de Castro, de 58, tem sobrevivido, já há alguns meses, graças ao delivery de mercadorias para uma famosa papelaria. Mesmo assim, sem ter sido aceita na lista de distribuição de cestas básicas da BHTrans para a categoria, e sem poder contar com o auxílio emergencial do governo federal (a declaração de IR dela era incompatível com o programa), Regina viu a renda cair à metade.

“Eu tirava entre R$ 6 mil e R$ 7 mil por mês com o transporte escolar. Agora, com as entregas, recebo diárias de R$ 150, rodando cerca de 50 quilômetros por dia. Ao fim do mês, não dá nem R$ 3 mil”, conta. A motorista diz ainda que, não fosse a ajuda de amigos, que lhe oferecem cestas básicas, e de poucos pais de alunos que ajudam os transportadores com pequenas quantias, não suportaria a pressão. “Cada dia está mais difícil”, afirma.

 Sem vacina e com medidas que restringem número de alunos, negócio pode ser inviável

A também veterana do transporte escolar Carla Bastos, de 49 anos e há 28 na atividade, tem garantido parcialmente o sustento com entregas, só que para empresas de alimentos. Com engradados de água mineral e caixas de biscoito na van, no lugar das crianças, a diária é melhor que a recebida pela colega Regina (R$ 220). Mas a renda, igualmente, despencou. “Está dando apenas para pagar as contas básicas”.

Por “problemas na hora de fazer o cadastro”, Carla conta que não conseguiu acesso a cestas básicas do município – a BHTrans informa ter distribuído, só de março a agosto, 6,8 mil desses pacotes aos motoristas da capital. Ela revela que tem refletido “bastante sobre continuar na profissão”. O problema seriam protocolos de segurança como os que restringem passageiros nos carros, reduzindo o faturamento. “Enquanto não houver vacina, não vai valer a pena”.

Tomada de veículos
De acordo com o presidente do Sintesc, Carlos Eduardo Campos, além das cestas para os autônomos, o Poder Público tem contribuído com medidas paliativas para amenizar o sofrimento da categoria. “Tivemos conquistas como a possibilidade de trocar os carros para modelos mais antigos e alterações nas regras de idade dos veículos e em prazos de inspeção, por exemplo”, pontua. 

“Mas o grande problema tem sido a ação dos bancos, que não perdoam as prestações atrasadas e estão tomando os carros financiados”, acrescenta. Segundo Campos, o sindicato tem judicializado essas questões, mas a média de insucesso, ou seja, de sentenças desfavoráveis aos donos das vans, tem sido de 30%. 
 

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