Passarela da rodoviária ganha novo visual com intervenção de arte urbana

Paulo Henrique Silva
24/04/2019 às 11:13.
Atualizado em 05/09/2021 às 18:22
 (Flávio Tavares	)

(Flávio Tavares )

Alice Pasquini prefere a palavra “carinho” para definir o trabalho artístico desenvolvido na passarela que liga a Rodoviária de Belo Horizonte ao bairro Lagoinha. As cores e os desenhos que o local recebeu nos últimos três dias servem, na visão da renomada street artist italiana, como um despertador de emoções em pessoas que tinham ali apenas um espaço de passagem.

“A arte de rua é uma maneira de chamar a atenção, de deixar a cidade menos cinza. Ela pode mudar um lugar”, registra Alice, em portunhol, ao Hoje em Dia, poucas horas depois de iniciar, na tarde da última segunda-feira, a intervenção ao lado dos mineiros Clara Valente, Gabriel Dias e João Gabriel. Hoje ela participará da palestra “Muros Limpos, Povos Mudos”, na Casa Fiat de Cultura, a partir das 19h30.

Referência internacional em arte urbana, Alice pintou mais de 2.000 paredes em todos os continentes, excetuando a Antártida. No Brasil, o primeiro trabalho aconteceu recentemente, ao pintar o exterior do Sesc Pinheiros, em São Paulo. Na capital mineira, a artista faz parte de um quarteto que vem fazendo dos 400 metros de extensão da passarela uma espécie de galeria a céu aberto.

O projeto integra o “Movimento Gentileza” e será concretizado nesta sexta. Alice, que veio a BH a convite do Consulado da Itália, enxerga uma compreensão mundial sobre a capacidade de transformação da arte de rua nos centros urbanos. “Ela pode oferecer esperança e um gesto de felicidade e tornar o mundo mais humano”, destaca a artista nascida em Roma.

No dia 2 de maio haverá programação especial para os passantes, com atrações artísticas e de resgate da memória e da cultura do bairro Lagoinha

Alice já tinha conhecimento da  street art produzida na capital – “A comunidade internacional é bastante pequena e muito do que é feito aqui acaba chegando até nós”, afirma. Mas antes de usar as próprias técnicas na passarela, ela fez questão de conhecer o bairro Lagoinha, região Noroeste de BH, construído principalmente por imigrantes italianos.  “É um bairro onde culturas se encontram, um lugar que tem muita história. Quando eu pinto, não sigo somente a inspiração. Busco compreender os sentimentos presentes no lugar onde vou. Eu sigo uma filosofia temática, buscando os sentimentos humanos e as relações, mas entendendo sempre a cultura local, interpretando as suas cores, para fazer uma obra que é única”, assinala.

Sentimentos reais
 A obra de Alice dá especial atenção às mulheres, como contraponto ao que ela denomina como “representação da mulher ideal, muito presente na publicidade, algo bastante machista, em que ela é apresentada nua ou como mãe”. No trabalho da artista, o que prevalece são sentimentos reais.

“Sei que é uma temática que não interessa aos meus colegas masculinos e é uma maneira de fazer algo diferente”.
 Sobre ser uma das poucas mulheres consagradas na arte urbana no mundo, Alice acredita que, aliado ao fato de terem ainda poucas mulheres no segmento, há a questão da invisibilidade. “Quando comecei, não havia mulher fazendo. Aos poucos, foi aumentando. O problema da mulher na arte é o mesmo em qualquer outro âmbito. Por isso, decidi assinar as obras com o meu nome, para poder inspirar outras mulheres”, sublinha. 
 
Serviço 
Debate “Muros Limpos, Povos Mudos” com Alice Pasquini – Hoje, às 19h30, na Casa Fiat de Cultura (Praça da Liberdade, 10).Gratuito


Projeto busca a requalificação da região da Lagoinha
 Não foram poucas as vezes em que João Gabriel passou de skate pela passarela da rodoviária e imaginou colocar cores naquelas muretas cinzas. “Já imaginava ocupar aquele espaço cinza e criar um contraste com aquele complexo viário recheado de prédios”, registra.

 Residente no bairro Lagoinha há 15 anos, ele se tornou uma espécie de guia para os colegas de pintura sobre a riqueza cultural da região. “Busquei estas referências com as pessoas e a história do bairro. Troquei muita ideia com a galera mais antiga”, observa o artista.

João Gabriel destaca que a Lagoinha foi o primeiro bairro de Belo Horizonte, tendo sido uma área muito importante. Décadas depois, acabou sendo degradada pela violência. “Vale muito a pena requalificar o lugar através destas obras e não deixar que as histórias sejam apagadas”.Flávio Tavares / N/A

FORÇA MINEIRA – Clara Valente, João Gabriel e Gabriel e Gabriel Dias formam o trio que, em conjunto com Alice Pasquini, está dando um colorido especial à passarela do Lagoinha


 Leveza
 As cores servem, segundo ele, para tirar um pouco da cultura do medo ligada ao bairro, oferecendo em seu lugar muita leveza. “A passarela sempre foi um lugar carregado. De pessoas, de energias. Ali acontece de tudo. Cinco minutos depois que chegamos aqui encontramos pessoas das mais diversas”, assinala.

Para ele, esse encontro é um dos grandes valores da arte urbana. “Na rua, rola essa troca, as pessoas passam e resolvem parar para falar com a gente”, observa João Gabriel, que comemora o intercâmbio com um artista de nível internacional. 

Clara Valente também vê com muito bons olhos esse trabalho conjunto com Alice Pasquini. “As mulheres artistas estão aparecendo cada vez mais e ela está num ponto bastante elevado. Em Belo Horizonte, já temos uma geração muito boa”, destaca Clara.
 
Diálogo 
O trio mineiro já trabalhou junto em outras intervenções artísticas. “Nossa obra já tem um diálogo, tratando especialmente da Natureza”, pondera Gabriel Dias, que, ao lado de João Gabriel, fez um mural no conjunto IAPI, que também fica no Lagoinha, a poucos metros da passarela da rodoviária.

 “Nossa intenção aqui é quebrar o cinza do espaço e dar mais vida. A arte em espaços públicos tem a capacidade de humanizar, mexer com a emoção das pessoas. É o que estamos precisando hoje. Pensar um pouco no outro também”, registra Gabriel Dias.

 

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