Pequi: fruto da sobrevivência no cerrado

Jornal O Norte
31/12/2007 às 11:12.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:21

Valéria Esteves


Repórter

Debaixo de um pé de pequi muitas histórias podem ser contadas José Antônio Alves dos Santos, mais conhecido como seu Zé, presidente da Cooperjap- Cooperativa dos catadores de pequi de Japonvar, bem sabe o quão colaborador o pequi foi em sua vida conjugal:-foram nove filhos que tive contando com o dizer – o pequi é afrodisíaco - afirma. Seu Zé, como outros catadores de pequi de Japonvar, a capital do pequi, sabe que no Cerrado o que mais tem é o danado do fruto, especialmente nos períodos que compreendem os meses de setembro a fevereiro.

Tempo de fazer dinheiro para os sertanejos, acostumados a entrar no mato para catar pequi. Quem é norte-mineiro, goiano ou Sul mato-grocensse conhece bem o gosto do fruto amarelo que tem seguido viagem rumo ao Canadá. Em contato realizado com uma exportadora de São Paulo, que trabalha com a Cooperjap, ficou acertado que em breve, o Canadá deve receber cerca de duas mil toneladas de pequi.  Mas essa não é a primeira viagem que o pequi de Japonvar fez. O produto já conseguiu quebrar fronteiras e chegar à mesa do consumidor norte-americano, onde também foram encaminhadas duas mil toneladas.

Depois da idéia de os catadores se unirem numa Cooperativa para trabalhar com a despolpa do pequi e trabalhar com seus subprodutos ficou mais fácil enxergar um negócio, além dos caminhões que hora vinham para comprar nas beiras das estradas o ouro norte-mineiro, como reconhecem os catadores.

A Cooperativa gera uma receita equivalente a cerca de R$ 400 mil, por ano, conforme o contador e advogado da pequena empresa, Mauro Rocha. Os sócios ainda não têm sede própria, mas com o lucro das vendas dos produtos, querem construir uma, em 2008. A única preocupação da entidade, no entanto, é quanto à redução de 50% da safra 2006/2007.

- A redução da safra é por conta da falta de consciência na hora de colher o pequi. Muita gente não espera o fruto cair no chão, como manda a natureza, prefere derrubar o pequi com um pedaço de pau e isso atrapalha a produtividade da planta, já que frutos verdes também são derrubados - reclama José Antônio. 

O pequizeiro

As associações de catadores de pequi, ali mesmo do entorno do município, entenderam que era preciso se ter uma visão de negócio e levar o pequi para outras praças, já que acreditam em seu poder de conquista pelo paladar. Quem conhece diz que só pelo cheiro é possível identificar se vai ou não gostar, no entanto, o fato é que depois de longos anos de falta de qualificação de mão-de-obra, a Cooperativa se viu num emaranhado de dívidas, hoje, no caminho de serem quitadas depois do auxílio do Sebrae, responsável por implantar o programa de Gestão Orientada para Resultados (Geor).

Para o consultor de empresas, Aloysio Vieira da Ada Consultoria & Negócios, a idéia de cooperativismo, ao certo, é que estava faltando na equipe (os sócios da cooperativa).

- Para qualquer negócio dar certo, é preciso que dentro da empresa, haja confiança, principalmente na hora de delegar tarefas. Partindo desse pressuposto é que a Cooperjap tem conseguido ampliar sua produção e atender os mercados - diz.

Ainda há gargalos a serem vencidos, e a comercialização dos produtos bem como o transporte, é um deles, mas trabalhar em equipe exige transparência e isso os sócios estão conseguindo aos poucos, como afirma o consultor.

Atualmente são produzidos farinha de pequi, farofa, óleo, conservas, doces, além de polpas de fruta colhidas da própria comunidade, farinha de Jatobá, entre outros. Há alguns anos os catadores dos municípios de Patis até Lontra viviam brigando por causa do pequi, só que, depois da chegada da Cooperativa, todos querem é mandar sua cata para cooperativa, onde sendo sócio tem participação nos lucros dessa pequena empresa.

Descoberta

Quem poderia dizer que o pequi iria chegar tão longe, diz seu Francisco Soares de Aquino, 76, responsável pelo plantio de 36 pés de pequi que vai deixar como herança para os netos. O pequizeiro protegido por lei, a Pró-Pequi, pode viver mais de cem anos, conforme pesquisadores.

Boa iniciativa, tendo em vista, que a UnB- Universidade de Brasília, descobriu em pesquisa realizada com pessoas de Japonvar (que comem o pequi durante o ano) que o município registrou o menor índice de pessoas com o câncer. Tal pesquisa também chamou a atenção de pesquisadores de Frankfurt que vieram a Japonvar conhecer de perto, e levar o fruto para ser estudado.

Outra universidade que também pesquisa sobre o pequi é a UFMG- Universidade Federal de Minas Gerais que estima, inclusive que há nas redondezas de Japonvar uma média de 200 pés de pequi por hectare. Como forma de povoar as matas, e postergar a atividade extrativista, a UFMG plantou cerca de 4 hectares de mudas de pequizeiro naquele município. O professor da UFMG, Paulo Sérgio Nascimento Lopes revela que cerca de 50% das mudas nasceram. Vale lembrar que o pequi é um fruto nativo do Cerrado.

Para o coordenador da pesquisa da UnB, César Koppe Grisólia , o resultado da pesquisa chama a atenção para a necessidade de preservação do Cerrado.

- A madeira do pequizeiro tem sido usada para fazer carvão e nossa pesquisa mostra que essa planta tem mais valor em pé do que dentro de um saco de carvão. O cerrado tem sido destruído pela agricultura, mas assim como o pequizeiro deve haver muitas outras espécies que ainda não foram devidamente estudadas - afirma.

Cinema

Não contente em realizar pesquisa sobre o pequizeiro e identificar que o fruto típico do Cerrado pode ser indicado como eficiente redutor da ação dos chamados radicais livres (moléculas que se formam no organismo humano e reagem de forma danosa às células sadias) e está qualificado como coadjuvante no tratamento do câncer, a UnB levará o pequi para as telonas. Isso mesmo! O pequi será protagonista do documentário Malapuwache* - A Festa do Pequi e será coordenado pela professora do Departamento de Música da Universidade de Brasília (UnB) Beatriz Castro e pelo índio Ayuruá Mehináku. Segundo a UnB, o projeto ficou em primeiro lugar no Distrito Federal (DF) no Programa de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro (DOC-TV), promovido pelo Ministério da Cultura (Minc) pela terceira vez em 2006.

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