(Reprodução / Redes Sociais Las Chicas de Chico)
A apreciação do veto do presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei que prevê a distribuição gratuita em postos de saúde de absorventes femininos para mulheres de baixa renda e em situação de rua foi adiada.
A matéria seria analisada na terça-feira (8), mas a dificuldade de um acordo sobre o tema gerou um adiamento provavelmente para março.
Em outubro de 2021, Bolsonaro vetou a proposta, mas sancionou a criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual.
A relatora do projeto e senadora Zenaide Maia (PROS), do Rio Grande do Norte, defende a inclusão do item feminino nas políticas de saúde pública e alerta sobre a importância de debater o assunto. “Temos que derrubar de vez esse tabu e falar mais publicamente sobre a pobreza menstrual, que já levou uma a cada 4 meninas a faltar a aula por não ter absorvente. A falta de acesso a itens básicos de higiene é uma realidade de meninas e mulheres no mundo”.
Pobreza menstrual
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a pobreza menstrual é um problema de saúde pública e de direitos humanos e atinge meninas e mulheres que vivem abaixo da linha da pobreza, em situação de rua e vulnerabilidade, e em privação de liberdade.
Para o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a pobreza menstrual é a falta de condições de realização da higiene menstrual de forma adequada. O problema é definido tanto pela ausência de itens básicos para o cuidado da higiene menstrual - como absorventes, papel higiênico, água e sabonete - tanto pela falta de acesso a banheiros com serviços de saneamento e de conhecimento a respeito do tema.
Reflexo da desigualdade social
No estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, da Unicef, ginecologistas indicam que o manejo adequado da menstruação deve incluir de três a seis trocas diárias de absorventes. No entanto, adolescentes e mulheres em situação de vulnerabilidade utilizam panos velhos, sacola plástica, papel higiênico e até miolo de pão como alternativa aos absorventes.
O relatório revela que estas substituições e a falta de higienização adequada podem levar a diversos problemas, que variam desde alergia e irritação da pele e mucosas, à infecções urogenitais, como cistite e candidíase, e até uma infecção bacteriana que pode levar à morte, conhecida como Síndrome do Choque Tóxico.
Ação voluntária
Em Belo Horizonte a iniciativa Las Chicas de Chico distribui, todos os meses, absorventes para mulheres em situação de rua, presídios femininos, centros de detenção de menores infratores e sob tutela da Justiça, abrigos e comunidades da região metropolitana da capital.
Desde 2016, a ação, que já beneficiou cerca de 800 mulheres, é liderada pela fisioterapeuta Cristiane da Costa e Silva, especialista em saúde da mulher, com ênfase em disfunções pélvicas e sexuais, e pela irmã Nicole, que é psicóloga.
Somente nestes dois primeiros meses de 2022, o projeto entregou 480 unidades de absorvente nestes locais e para mulheres que ficaram desabrigadas em função das inundações provocadas pelas chuvas do começo do ano.
Além das doações, o trabalho voluntário organiza encontros e realiza palestras e rodas de conversa sobre sexualidade, higiene, cuidados pessoais e conhecimento corporal.
O Las Chicas não recebe nenhum tipo de ajuda em dinheiro, só absorventes que chegam até pelo correio. Elas promovem encontros em que falam sobre sexualidade feminina, meditação. E a contrapartida para participar é a doação.
(Reprodução / Redes Sociais Las Chicas de Chico)
Desigualdade social
De acordo com a fisioterapeuta, em algumas comunidades da região metropolitana, muitas meninas não têm acesso a banheiros com estruturas básicas de saneamento. “E, quando têm, já ouvimos relatos de três famílias que usam o mesmo banheiro”.
No Brasil, segundo a Unicef, mais de 700 mil meninas não têm acesso a banheiro ou a chuveiro em casa e mais de 4 milhões não têm instalações e itens básicos nas escolas para realizar a higiene menstrual. Essa questão é uma das causadoras da evasão escolar de adolescentes da faixa etária dos 13 aos 19 anos.
Segundo o Departamento Penitenciário Nacional, quase 25% das mais de 37 mil mulheres presas no Brasil não contam com banheiros bem estruturados, como determina as autoridades sanitárias. Em Minas, esse número sobe para 40%.
Outro desafio da ação voluntária é a dificuldade de acesso a meninas em centros de reclusão e a mulheres em presídios femininos.
Para superar essa barreira, elas criaram uma cartilha com orientações sobre o assunto. “A cartilha serviu para levar um pouco de informação onde não conseguimos conversar com esse público, como é caso de mulheres presas e menores em centros de infratores”, contou.
Cristiane explica que as questões que envolvem a pobreza menstrual fazem parte de uma questão mais complexa, no âmbito da desigualdade social.
"Nas ocupações nós vemos que são tantas outras demandas, que o uso do absorvente fica em segundo plano. Com a pandemia, por exemplo, a dificuldade de acesso à alimentação ficou muito eminente”.
Outro exemplo citado pela fisioterapeuta foi a entrega das cartilhas para mulheres ciganas, acampadas em um local a cerca de 200 km de BH. Ela conta que as voluntárias do Las Chicas acompanharam outro grupo voluntário, que faria a entrega de cestas básicas.
Após a distribuição dos absorventes, as cartilhas foram entregues às ciganas. Mas elas se depararam com outro problema: as mulheres eram analfabetas.
(Reprodução / Redes Sociais Las Chicas de Chico)
Poder público
De acordo com o relatório da Unicef, a menstruação é uma condição natural no ciclo de crescimento e desenvolvimento da mulher e, por isso, os cuidados com o manejo menstrual devem fazer parte das ações do poder público e das políticas de saúde. Tais políticas podem incluir desde o acesso à informação, distribuição gratuita de absorventes, e acesso à condições adequadas de água, saneamento e higiene.
Para a fisioterapeuta Cristiane, as soluções para reduzir essas desigualdades são complexas e requerem ações nas diversas esferas da sociedade. “A primeira questão é a educação. O fato de não entender o processo biológico, de não conhecer o corpo, limita a fala que deveria normalizar a menstruação. As mulheres devem, primeiro, entender o contexto que estão inseridas enquanto mulher nesta sociedade”, enfatizou.
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