(Wesley Rodrigues)
Pouco mais de uma semana após o anúncio do acordo entre professores e governo do Estado, outra negociação complicada entre as partes está na iminência de começar. Ainda no primeiro semestre do ano, serão abertas as discussões sobre o futuro de milhares de funcionários da rede estadual de ensino “efetivados” sem concurso público, por meio da Lei Complementar 100.
Antes, porém, de travar o diálogo na esfera governamental, a categoria precisa entrar em um consenso sobre qual proposta defender. Ao contrário de outras demandas, como a questão salarial, o tema, que versa sobre o futuro de quase 60 mil pessoas, divide opiniões.
Em entrevista ao Hoje em Dia, a coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE), Beatriz Cerqueira, fala sobre as dificuldades que serão enfrentadas nos próximos meses por causa do impasse. Aos 37 anos, 19 deles dedicados ao magistério e à militância política, Beatriz quer abrir caminho para o debate dessa e de outras demandas da educação junto ao novo governo.
Apesar das dificuldades vividas nos cinco anos à frente da coordenação-geral do sindicato, ela revela que o maior desafio é ser mulher militante. Mesmo assim, não descarta a possibilidade de, no futuro, concorrer a um cargo político.
Como vai ser equacionada a questão da Lei 100 e em que termos o sindicato negocia isso com o governo?
A gente ainda precisa fazer a negociação com o Estado, sob pena de eu falar alguma coisa que crie uma expectativa que não corresponda à realidade. Mas digo que, em função dos vários vínculos a que nós fomos submetidos, hoje a categoria é dividida. Porque nós temos um terço de trabalhadores efetivos, um terço de contratados e um terço de efetivados. Esses contratados são concursados que querem ser nomeados. Então hoje nós temos, infelizmente, depois de dez, 12 anos de ausência de concursos públicos, dessa ausência de investimento no vínculo da escola, uma categoria que é fracionada de acordo com os vínculos. Depende de negociação e de muito diálogo para a gente ver como o sindicato vai se comportar e como vai ficar o quadro da escola de 2016.
Qual o entrave interno nesse sentido?
A categoria precisa decidir qual é a opção que o sindicato vai negociar. Existe uma parte da categoria que não quer essa designação, que são os concursados. Porque o critério de designação pode ser o vínculo, quem estava no ano passado continua este ano, e o critério de designação pode ser a lista de concurso. Se o critério for o vínculo, quem está na lista de concurso não é contratado, será preterido. Não é uma decisão fácil, e o discurso fácil é não observar o conjunto da categoria. A outra opção é eles perderem completamente o vínculo com o Estado. É uma decisão que precisa de debate e não pode haver manipulação.
Além da questão salarial, outro tema que sempre é alvo de discussão da categoria é a segurança. Como estão os debates, hoje, nesse sentido? Qual a realidade na sala de aula?
Primeiro, acho que existe uma relação de desrespeito, o próprio poder público desrespeita o professor enquanto categoria profissional. Nós vimos, nos últimos anos, peças publicitárias que combatiam nossas reivindicações. O professor falava: não recebo o piso. O governo pagava milhões para dizer: eu pago o piso. Então o poder público estava dizendo para a população: o seu professor mente. Esse incentivo à desvalorização social da nossa profissão começa pelo poder público, e isso precisa ser rompido. Precisa ser estabelecida outra relação de respeito, independentemente do que a categoria e o governo pensam.
Qual a solução para esse problema?
O que pedimos é um protocolo de atendimento, já que a violência está dentro da escola. Quando o professor é agredido, a quem ele recorre? Hoje, a ninguém. O professor, quando era agredido, e espero que isso tenha mudado este ano, era pressionado a não denunciar a agressão. Era pressionado pelo sistema, a Secretaria de Educação o pressionava a não denunciar. Depois ele era pressionado pela situação da escola, porque dependendo de quem o agrediu, do motivo da agressão, o aluno continuava no local ameaçando o professor. Então o que nós cobramos minimamente do poder público é que exista um protocolo de atendimento. Esta (gestão da) secretaria reconhece que há problema, reconheceu publicamente em uma audiência pública. Agora precisa cuidar.
Houve pressão no governo para que esse acordo fosse feito?
Na verdade, nós iniciamos esse diálogo com o governador Fernando Pimentel quando ele ainda era candidato. A exemplo do que fizemos em eleições anteriores, chamamos os candidatos ao governo e apresentamos uma pauta mínima para que eles se comprometessem conosco. E, diferentemente do que talvez fosse a expectativa comum, nós não esperamos, nós não aguardamos o momento em que ele pudesse conversar; nós já começamos 2015 em mobilização. Diante da morosidade com que o governo nos apresentava a pauta, começamos a construir uma greve, tanto é que fizemos duas assembleias com indicativo de greve. Então ela seria uma realidade agora, hoje, caso o governo não tivesse avançado no processo de negociação conosco.
As conquistas na área da educação muitas vezes ainda são usadas como moeda de troca na política?
Acredito que não. O que vejo com muita curiosidade é o deputado que ontem ajudou o governo Antonio Anastasia a roubar os nossos direitos agora ser um defensor do novo acordo. Então a política traz essas coisas pitorescas pra gente, mesmo. O que acho positivo é que essa negociação impacta nos municípios. Porque o grande discurso deles era o mesmo do Estado, de que o piso era proporcional, que não tem que fazer reajuste para piso. Agora os prefeitos precisam ter mais atenção porque o reajuste é anual sim, tem que ter piso, mas tem que ter carreira. Então acho que é uma influência boa.
Apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal, continua na Assembleia a discussão da PEC 3, para efetivar todos os funcionários que estão englobados na Lei 100. Como você vê essa situação?
Lamento que tenha políticos que continuem trabalhando na ideia de mentir para a categoria, porque o que a PEC 3 propõe é o que o STF acabou de declarar inconstitucional. O problema é que quem diz a verdade não serve. Então a gente alerta que a PEC 3 reproduz o que o STF acabou de declarar inconstitucional e que, portanto, existe aí um problema, mesmo se aprovado. Aí nós nos tornamos pessoas indesejadas por falarmos a verdade. Os deputados deveriam, na época, ter ajudado a pensar alguma saída que não jogasse a categoria na fragilidade, porque a PEC 3 vai fazer isso de novo.
Qual o maior desafio: o magistério, a militância ou conciliar os dois?
Ser mulher militante. O mundo continua machista, as relações de poder continuam masculinas. Basta ver como a presidente Dilma é tratada. Eu não me lembro de o presidente Fernando Henrique Cardoso ter sido tratado da mesma forma.
Pela sua atuação hoje, está nos planos ingressar na política e concorrer a uma vaga na Câmara ou na Assembleia?
Eu já faço política (risos). Fiz a opção de ficar onde eu poderia contribuir melhor. Embora tenha sido pressionada, no ano passado, porque as pessoas achavam que eu deveria ser candidata, fiz a opção de ficar onde poderia contribuir melhor para um projeto de educação emancipadora, de uma luta social.
Mas é uma opção que você descarta para o futuro?
Não, até porque aqui tem tempo de validade, não posso ficar a vida toda. O movimento sindical tem que se renovar.