(Mauricio de Souz - 10/03/2011)
Apesar de hoje o Brasil ser um país governado pela primeira vez por uma mulher, o espaço político nacional ainda é um território a ser conquistado pelo sexo feminino. Ao longo de décadas, as mulheres estão vencendo batalhas na busca pela igualdade na representação política. A caminhada feminina nesse percurso vem se acelerando. Em 12 meses, contados desde outubro de 2012, a filiação feminina a partidos políticos representa 64% das 136 mil pessoas que ingressaram nas mais de 30 legendas no período. Mesmo com esse avanço, apenas nas eleições de 2012 foi alcançada a meta de 30% de candidaturas femininas prevista na Lei Eleitoral. A missão para eleger mais mulheres requer uma participação intensa junto aos partidos e de convencimento das novas filiadas a se candidatarem. Embora o número de filiações do sexo feminino, nos dois últimos anos, tenha pela primeira vez ultrapassado o do sexo masculino, segundo dados da Procuradoria Especial da Mulher do Senado e da Justiça Eleitoral, os homens ainda dominam a política. Do total de 15,1 milhões vinculados a alguma legenda, 8,4 milhões são homens e 6,7 milhões são mulheres. Mas a realidade ainda está longe do equilíbrio entre homens e mulheres na política. Estudo da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence), vinculada ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que vai levar mais 73 anos para que as mulheres atinjam 30% dos quadros das candidaturas de cada partido, regra determinada pela Lei Eleitoral. O cálculo, feito pelo estatístico José Eustáquio Diniz Alves, considera o quadro atual do sistema eleitoral, em que pesam o financiamento privado de campanha e a lista aberta – por exemplo – e ainda a sub-representação do segmento feminino na política.Na avaliação da coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marlise Matos, essa progressão do IBGE reflete o lugar secundário da mulher nos postos de poder do país e a falta de importância dada pelos partidos a elas, que muitas vezes são marcadas na história da democracia brasileira como primeiras-damas, ou seja, fora dos cargos mais expressivos de chefia. “Todo ano é a mesma história. Os partidos colocam mulheres como candidatas para preencher espaços – como se elas fossem ‘laranjas’ – e não cumprem a cota mínima de 30%. Mas os Tribunais Regionais Eleitorais aprovam as listas. É um absurdo, são listas ilegais, escandalosas”, afirma. O voto feminino foi conquistado há quase 80 anos. As mulheres são 52% da população e também 52% do eleitorado, mais de 48% da parcela economicamente ativa da população e apenas 8% têm mandatos parlamentares. Segundo a coordenadora do Nepem, o ativismo político tem um custo: requer participação e amplo tempo de dedicação, aspectos que grande parte das mulheres que são mães, donas de casa e profissionais não têm de sobra. “Com filhos, casa, marido, profissão, a que horas elas vão pensar em política? De meia-noite às seis?”. PRIMEIRA-DAMA Com exceção da presidente Dilma, coube ao sexo feminino ocupar na política postos de primeira-dama, classificados por Marlise como “lugares secundários”. E comenta: “Aliás, ela (Dilma) foi levada até a presidência pelas mãos de um homem, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mesmo com todo seu histórico de militância contra a ditadura”, pondera a coordenadora do Nepem.” l Para pesquisadora, mulheres não ocupam cargos estratégicos Além da presidente Dilma Rousseff (PT), outra mulher de destaque no cenário atual da política brasileira é a ex-senadora Marina Silva, que captou quantidade expressiva de votos nas eleições de 2010 – 20% dos votos válidos – e levou as eleições para o segundo turno. No entanto, na avaliação da professora da UFMG, Marlise Matos, ao aliar-se ao PSB ela presta um desserviço às mulheres brasileiras. “É lamentável que ela tenha aderido à coalizão que o sistema político/eleitoral brasileiro impõe. Há quatro anos ela teve uma votação considerável, mas desviou sua trajetória, virou uma ponte para captar votos para um homem, em vez de se projetar para um cargo de poder relevante”, afirma, referindo-se ao presidente nacional do PSB, Eduardo Campos, postulante ao Planalto. No passado, mulheres que tiveram destaque na política foram as primeiras-damas do ex-presidente Juscelino Kubitschek, “Dona Sarah”, e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), “Dona Ruth”. Sarah Kubitschek foi a fundadora da Organização das Pioneiras Sociais, que realizou uma obra de assistencialismo em Minas Gerais. Incluía a instalação de escolas no interior do Estado, creches e distribuição de roupas, alimentos e equipamentos para pessoas com necessidades especiais. Ruth Cardoso criou e presidiu o programa Comunidade Solitária de combate a exclusão social e à pobreza nos anos 1990. No ano 2000, criou a organização não governamental Comunitas, na qual atuou até sua morte. MUDANÇAS Os desafios apontados por Marlise para tirar a mulher do estigma de responsável por pastas de temas sociais e não de áreas estratégicas, como planejamento e gestão, passam por uma reforma política e cultural. “A mudança cultural é muito necessária, mas o Brasil está adiando reformas estruturais na política, por exemplo quanto ao financiamento de campanha e a lista aberta”, diz. A professora já realizou estudos que atestam que as mulheres angariam menos dinheiro que os homens junto às empresas, que entendem que homens com maior visibilidade podem dar retorno maior aos seus negócios. Outro ponto de mudança defendido pela coordenadora do Nepem é na variante lista aberta, ou seja, sistema de votação de representação proporcional em que os eleitores votam em partidos e na ordem dos candidatos desse partido. “As siglas lançam mulheres candidatas, mas já sabem, na realidade, quem são os reais puxadores de votos, os que têm maiores chances de conquistarem a vaga. No fundo, eles apostam todas as fichas nesses nomes que estão no topo do ranking das pesquisas internas”, observa.