Ministro Reis de Paula: trabalho terceirizado desafia a legislação

Telmo Fadul - Hoje em Dia
01/05/2013 às 09:22.
Atualizado em 21/11/2021 às 03:18

Neste 1º de maio, em que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) completa 70 anos, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Carlos Alberto Reis de Paula, ao mesmo tempo em que elogia a legislação, criada ainda no governo Getúlio Vargas, aponta para a necessidade de alguns ajustes nas atuais relações de trabalho no país.

Para Reis de Paula, a regulamentação do trabalho terceirizado é a medida mais urgente, tanto para os trabalhadores quanto para as entidades patronais. Já a redução da jornada de trabalho – bandeira principal das centrais sindicais – ainda não deve ser promovida, sobretudo por causa da grande controvérsia que há em torno do tema.

O que de mais importante a CLT trouxe para o Brasil?

Basicamente, a CLT deu dignidade ao trabalho. Em 1888, do ponto de vista formal, houve a abolição da escravatura. Até então, o trabalho era escravo, feito pelos negros. Na virada do século XX, vieram vários imigrantes para o Brasil. Eles trabalhavam num sistema que também tinha características de escravidão, pois eram obrigados a viver em colônias e a pagar pelas despesas, submetidos pelas ordens daqueles que eram os proprietários. Então, na origem, o trabalho no Brasil não foi valorizado. E a CLT veio justamente valorizar. Essa é a sua importância histórica. A CLT consagrou o trabalho, protegeu o trabalho e assegurou ao trabalho vários direitos.

A CLT precisa passar por uma modernização?

A CLT tem um grande desafio. Ela completa 70 anos com uma defasagem normal, porque o mundo mudou muito. Então, essa é a questão que se coloca hoje: o que fazer com a CLT? Substituí-la por um código de trabalho? Acho absolutamente desnecessário. A CLT continua atual na medida em que os princípios da CLT, os valores com que ela trabalha, são atuais. O que é necessário é fazer ajustes, adaptações em setores específicos para que a CLT seja a resposta para essa relação de trabalho que hoje se desenvolve no Brasil.

Hoje, quais seriam os ajustes mais necessários à CLT?

Eu dou um exemplo: o problema da terceiriza-ção. Terceirização é uma grande realidade hoje no Brasil inteiro. A terceirização, que é uma solução para vários setores, é um grande problema, porque, se você bem entende, na terceiriza-ção, o sentido de proteção ao trabalhador fica bem mais diluído. Então, é preciso que na área da terceirização haja a presença do Poder Legislativo. Nós precisamos colocar parâmetros, precisamos regulamentar a terceirização. Só para fazermos uma reflexão sobre terceirização: o que pode ser terceirizado? Tudo? Terceirização tem limite? Ela deve se limitar a áreas de maior especialização? E o tomador de serviço, aquele que é beneficiado pelo trabalho terceirizado, qual o grau da responsabilidade que ele tem? A responsabilidade é solidária ou é subsidiária, só surge se o prestador de serviço não cumprir suas obrigações. Essas são questões que o legislador deveria resolver.

O Congresso Nacional está disposto a promover essas mudanças a que o senhor se refere?

A última notícia que tive sobre atuação do Congresso nessa área é que tínhamos mais de 20 projetos que cuidam da regulamentação da terceiriza-ção. Parece que está havendo uma convergência sobre um projeto de autoria do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO). Os empresários estão convergindo muito para esse projeto. A circunstância de estar havendo essa convergência parece que está fazendo com que os representantes dos interesses dos empregados tenham a compreensão de que está na hora de se tentar uma negociação no parlamento para se encontrar um ponto comum. Agora, há um detalhe que é fundamental se destacar. Acho que as posições do Congresso sobre terceiri-zação estão muito maniqueístas: fica um de um lado, e outro, de outro. Não se está buscando pontos de consenso. Ao mesmo tempo em que acredito que a questão é urgente, às vezes, fico achando que o radicalismo das partes também dificulta a regulamentação da terceirização.

É possível alterar a CLT sem prejuízo aos direitos dos trabalhadores?

Eu acho possível mexer na CLT e preservar direitos. Acho que devemos preservar os direitos básicos. Os direitos básicos dizem respeito fundamentalmente a salário, jornada de trabalho, intervalo, férias – tudo isso são direitos básicos. Mas, acresço: devemos fazer com que sejam preservadas as condições de segurança do trabalho, que se proteja o trabalho das mulheres. Precisamos de normas sobre a questão do aprendiz, porque o trabalho infantil não pode ser acolhido na sociedade brasileira. Essas são coisas que não podem ser tocadas. Então, eu posso reduzir direito mexendo na CLT? A princípio, direitos básicos são intocáveis. Mas, há margem para negociação, sobretudo, negociação coletiva entre as partes. Eu posso, por exemplo, alterar tempo de duração de trabalho em relação a intervalo. Eu posso estabelecer para quem trabalha com transporte rodoviário urbano, por exemplo, o seguinte: ao invés de ter seis horas de trabalho com intervalo de uma hora e depois mais duas horas para concluir a jornada, eu posso reduzir esse intervalo, para que o motorista conclua logo o seu trabalho, porque isso fica melhor ajustado à sua situação.

Uma das principais pautas das centrais sindicais é a redução da jornada de trabalho. O senhor é favorável?

Eu não vou entrar na discussão se devemos passar da jornada de 44 horas para 40 horas porque aí é uma questão de opção política e de quem tem mais possibilidade de agregar forças. Pessoalmente, não acho que esse seja um tema de urgência. As centrais insistem muito nisso. Mas, isso provoca muita controvérsia. A tese dos sindicatos é exatamente reduzir a jornada e manter o salário, ou seja, vai haver melhor remuneração do trabalho. A tese dos empresários, pelo contrário, é dizer que assim vai ficar difícil manter o emprego, pois o ônus vai ser muito pesado. Esse conflito é muito difícil de ser solucionado. E eu não sei se o Brasil está no momento de caminhar nessa direção. Mas, acho que, dentro da jornada prevista na Constituição, podemos fazer ajustes, mantendo a jornada de 44 horas. Nós podemos, evidentemente, estabelecer jornadas especiais para pessoas que trabalham em hospitais. Não há previsão legal sobre isso. Hoje, estamos com a emenda constitucional do trabalhador doméstico, que não resolve a questão da jornada, pois há várias espécies de trabalhadores domésticos.

Esses aperfeiçoamentos necessários na legislação podem sair das mesas de negociação que o TST tem promovido entre empregados e patrões?

O TST nunca vai ser quem vai apresentar essas propostas. Hoje, estamos atuando mais como um facilitador, alguém que se posiciona para dizer aos setores: vamos conversar. Agora, quem vai ter de conduzir isso tudo serão as próprias partes.

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