Exportação de ovos brasileiros para os EUA quase dobrou em um ano, enquanto preço do alimento disparou nos dois países
Recorrente nos discursos da oposição ao governo federal, o ovo é a bola da vez nas tentativas de influenciar a opinião pública, mas o alimento é um desafio que não se restringe ao Brasil. Segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), as exportações brasileiras de ovos para os Estados Unidos cresceram 93% em fevereiro em comparação com o mesmo mês do ano anterior. De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Universidade de São Paulo (USP), a alta do preço nos mercados nacionais foi de 18,7%, considerando o impacto da inflação.
A alta também foi verificada nas prateleiras dos norte-americanos, mas a busca deles por produtores brasileiros pode influenciar os preços praticados. Para o doutor em ciências econômicas pela Absolute Christian University (ACU) Antonio Carvalho, a valorização pode seguir a lógica de oferta e demanda e um foco do setor no mercado externo pode contribuir no futuro desse cenário.
“Quando você vende em dólar para o exterior, você arrecada muito mais do que vendendo aqui dentro. Você gera um certo desabastecimento”, explica Carvalho, ao lembrar a atual cotação do dólar norte-americano acima dos R$ 5,70. “Se eu vendo caro para fora, quem quer comprar aqui dentro, acaba tendo que pagar caro também. […] Aconteceu com a carne durante a pandemia. Depois, o preço deu uma leve recuada porque as exportações caíram um pouco, mas se mantiveram altas. Com o ovo, nunca tinha acontecido isso. O Brasil não era exportador de ovo. E aí, de repente, tem essa demanda”, explica.
A ABPA destaca que o ovo brasileiro se tornou mais competitivo no mercado internacional por atender aos critérios exigidos pelos países importadores, tanto em qualidade quanto em biossegurança. “O Brasil nunca registrou H5N1 [gripe aviária] em sua produção comercial, o que é um critério relevante para comércio internacional avícola, tanto para ovos quanto para carne de frango”, afirma a associação.
A entidade ressalta que as mudanças climáticas têm afetado a produção de ovos, “com reduções de níveis de produtividade em torno de 10%, frente aos impactos do calor nas aves”. Segundo especialistas ouvidos pela Agência Pública, o estresse térmico prejudica diretamente a postura das galinhas, e, em casos extremos, temperaturas acima dos 40°C podem levá-las à morte.
No dia 6 de março, o governo Lula anunciou que o imposto de importação sobre carne, café, milho e outros produtos seria zerado para tentar conter a inflação dos alimentos. Para Carvalho, a medida pode beneficiar o consumidor no curto prazo, tornando os produtos mais acessíveis, porém a medida não deve levar ao barateamento dos ovos.
“Qualquer produto que tem demanda internacional vai ter um aumento de preço dentro do país. E a forma de conter esse preço é, ou você reduz os custos, reduzindo o imposto, ou aumentando a produção. Mas o aumento de produção demora. Ele demanda estrutura, demanda investimento”, complementa Carvalho.
A ABPA, no entanto, minimiza o efeito do aumento das exportações na oferta de ovos no mercado nacional e estima que o abastecimento interno não deve ser comprometido. “O Brasil deverá produzir este ano 3,6 milhões de toneladas de ovos, enquanto a exportação esperada é de 35 mil toneladas.”
Após ser declarado réu por tentativa de golpe contra o Estado, foi ao ovo que o ex-presidente Jair Bolsonaro recorreu para criticar a condução econômica do governo Lula, mencionando o aumento do preço do produto durante entrevista coletiva em frente ao gabinete do filho, o senador Flávio Bolsonaro.
“A verdade dói, mas o povo entendeu que a verdade é necessária. ‘É picanha, de graça, cervejinha’. Não tem nem ovo agora. A inflação está aí. O povo não quer mais confusão. Por isso que eu falo em anistia”, afirmou o ex-presidente.
Para o doutor em ciência política e professor da Universidade de Brasília (UnB) Wladimir Gramacho, a popularidade política depende da percepção popular sobre a economia – quando vai bem, governos são recompensados com aprovação e votos; quando vai mal, são punidos.
“O embate político é um embate de discurso, choque constante, e eles precisam de insumos, seja um ovo, seja um acidente, uma enchente, seja um caso de corrupção, seja o que estiver acontecendo. O que estiver na mesa, eles usam para construir a narrativa política e para construir esse embate político”, afirma Gramacho.
“É uma coisa que pesa no bolso e no estômago. Isso toca, e tem uma capacidade de mobilizar a classe política e todo mundo. No caso do Bolsonaro falando isso agora, é do jogo. Inclusive da suposta incapacidade do governo Lula [de controlar preços]”, afirma o cientista político André Pereira César.
Leia mais: