Pagamento citado em e-mail foi feito ao falecido Janene, diz lobista da Zelotes

Estadão Conteúdo
08/03/2016 às 15:33.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:43

Em depoimento prestado à Justiça Federal, o advogado José Ricardo da Silva, réu em ação que avalia suposta "compra" de medidas provisórias, afirmou nesta terça-feira (8) que negociou 20% de comissão com o ex-deputado federal José Janene (PP), morto em 2010, pela indicação de uma causa na qual atuou em defesa do ex-deputado João Pizzolati (PP-SC). O valor dos honorários, correspondente a R$ 700 mil, teria sido pago por meio de "empresas" do Sul.

A declaração do advogado foi dada ao explicar e-mail em apuração na Operação Zelotes, revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo em outubro, no qual ele trata com outros investigados de acertos a serem feitos com "parlamentares".

Para o Ministério Público Federal, autor de denúncia contra Silva, os pagamentos mencionados são propina negociada com congressistas que participaram do processo de aprovação das medidas provisórias, que prorrogaram incentivos fiscais para o setor automotivo.

Silva disse que obteve de Janene - que era líder do PP e chegou a ser réu no escândalo do mensalão - a indicação para atuar numa ação de improbidade administrativa contra Pizzolati, em curso no Superior Tribunal de Justiça, por volta de 2009. O resultado do caso poderia, eventualmente, impedi-lo de participar de eleições, com base na Lei da Ficha Limpa.

"Esses 'parlamentares' não têm nada a ver com a tramitação do que quer seja no Congresso Nacional", assegurou.

O réu alegou que, em alguma ocasiões, havia uma cobrança mais "incisiva" por parte de Janene. O desfecho do processo foi favorável à Pizzolati e os honorários foram pagos por meio de empresas que o advogado não especificou. Ele adiantou, contudo, que apresentará as notas dos pagamentos. O valor repassado a Janene seria correspondente a R$ 140 mil.

No e-mail, o advogado se refere a acerto com "parlamentares", embora alegue ter negociado a comissão apenas com Janene. O advogado do réu, Getúlio Humberto Barbosa de Sá, explicou que o deputado morto dizia que os 20% seriam para mais de uma pessoa, as quais não identificou.

Silva também disse que, por ter sido indicado para um caso do Banco Opportunity, pagou, em reais, o equivalente a US$ 10 mil ao ex-chefe do setor de Comunicação do Senado Fernando César Mesquita, também réu na Zelotes.

O depoimento, de quatro horas, foi prestado para instruir a ação penal que trata da suposta "compra" e medidas provisórias. O advogado é acusado de corrupção ativa, organização criminosa, extorsão e lavagem de dinheiro.

O advogado confirmou ter se associado ao lobista Mauro Marcondes Machado, também réu na Zelotes, para atuar pela prorrogação dos incentivos fiscais a montadoras. Esses serviços teriam envolvido as MPs 471, de 2009, e 512, de 2010. "Esse trabalho em nenhum momento se afastou de assessoramento técnico", afirmou, acrescentando ter feito levantamento de informações.

Segundo ele, não houve, de sua parte, encontro com autoridades públicas para tratar das MPs ou de caso relacionado ao Conselho Administrativo e Recursos Fiscais (Carf), espécie de tribunal administrativo que avalia recursos e contribuintes contra débitos aplicados pela Receita Federal.

O advogado disse que, pela atuação em favor das medidas e por ter trabalhado em ação no Carf em favor do uma das montadoras, a MMC Automotores (que fabrica veículos Mitsubishi), sua empresa recebeu R$ 4,7 milhões da empresa de Marcondes, a Marcondes e Mautoni Empreendimentos. Ele negou ter repassado parte do dinheiro a terceiros ou ter obtido algo "por fora".

Silva respondeu a perguntas do juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal em Brasília, e de advogados de defesa dos réus. Mas ficou em silêncio quando questionado pelo procurador da República Frederico Paiva. Entre outras questões, o réu não informou o porquê de tantos saques em espécie nas contas ligadas à sua empresa, a SGR Consultoria, e quais foram os destinos desses recursos.

O representante do Ministério Público pediu que o fato de o advogado não "colaborar" respondendo às perguntas fosse levado em consideração na dosimetria de eventual pena. O advogado do réu justificou que o interrogatório é um instrumento de defesa do seu cliente e que, por isso, ele optou pelo silêncio ao ser indagado pelo procurador.

O procurador, ao fim da audiência, classificou de "escárnio" as explicações dadas pelo advogado. "Em quatro horas ele não soube esclarecer o que foi esse 'assessoramento', ele enrolou", criticou. Sobre a comissão a Janene, ele declarou:"É típico das defesas citar parlamentar falecido".
 

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