Polícia entrega inquérito 50 anos após chacina em Ipatinga

Ricardo Rodrigues - Enviado Especial - Hoje em Dia
08/10/2013 às 06:18.
Atualizado em 20/11/2021 às 13:09

IPATINGA – Cinquenta anos depois de instaurado pela Polícia Militar de Minas Gerais, o Inquérito Policial Militar (IPM) que apurou as responsabilidades sobre o massacre da Usiminas, no dia 7 de outubro de 1963, enfim foi entregue ba segunda-feira (7) aos membros da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e da Comissão Estadual da Verdade (Covemg), durante audiência pública realizada no fórum de Ipatinga.

Oficialmente, oito pessoas morreram (inclusive uma criança no colo de sua mãe) e 79 ficaram feridas. Há relatos, no entanto, de que os óbitos tenham chegado a pelo menos 30.

“O que estiver disponível na Polícia Militar sobre esse episódio será exposto, sem nenhuma restrição. Nosso compromisso é com o Estado democrático de direito”, afirmou o coronel Eduardo César, diretor de recursos humanos da PMMG.

Segundo ele, 20 policiais que atuaram no caso foram indiciados no IPM, instaurado no mesmo dia da chacina, tendo como responsável o major Sílvio de Souza.

Controvérsia

O militar declarou que todos os culpados foram punidos. Entretanto, uma das vítimas e membro da comissão estadual, Jurandir Persichini, disse que os dois PMs que deram a ordem para atacar os operários foram promovidos pela corporação.

“A Polícia Militar atirou e matou, mas me recuso a aceitar que foi por iniciativa própria. A PM foi o braço. Temos de procurar quem foi a cabeça”, acrescenta o coordenador da Comissão Estadual da Verdade, Antonio Ribeiro Romanelli, durante a reunião.

O que mais surpreendeu os moradores de Ipatinga foi o fato de, pela primeira vez, representantes da Polícia Militar e da Usiminas terem comparecido a uma audiência pública para discutir a questão do massacre de Ipatinga, passados 50 anos.

Na reunião estavam presentes todos os sete membros da Comissão Estadual da Verdade, instituída pelo governador Antonio Anastasia em setembro passado.

Pedido

As duas comissões requisitaram à PM e à Usiminas toda a documentação desse período. Até então, a Usiminas se limitava a dizer que o fato ocorreu fora da empresa e que ela não tinha participação na chacina. Porém, novos depoimentos de vítimas e parentes de vítimas do massacre, ontem, apontaram que a empresa teria tido participação na ordem para atirar nos trabalhadores.

Um dos operários que sobreviveu ao massacre, Hélio Mateus Ferreira, conta que a carteira de documentos o salvou da morte. “O tiroteio começou por volta da meia-noite, com uma rajada de metralhadora, depois de uma confusão entre os vigilantes e operários. Levei um tiro na nádega direita. Eram 8h30 da manhã. A bala está alojada no meu corpo até hoje. O tiro pegou na carteira que estava no bolso de trás. Nela, havia 1.060 cruzeiros”, contou, exibindo a carteira de couro velha, com um furo feito a bala. “Meu segundo filho tinha oito meses de idade. Aqui era terra de ninguém”.
 
Usiminas diz não ter os arquivos de antes de 64
 
O representante da Usiminas, Afonso Celso Flexa de Lima Álvares, assessor de relações institucionais, negou ou deixou sem resposta as indagações feitas pela coordenadora da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Rosa Maria Cardoso. Ela lhe perguntou o nome do presidente da Usiminas na data do massacre; se ele já tinha visto o acervo de documentos antigos da empresa; se houve sindicâncias internas na época. “Não sei o fim que foi dado aos documentos anteriores a março de 1964”, respondeu.

Álvares não soube dizer qual funcionário havia solicitado a intervenção da PM nos dias 6 e 7 de outubro de 1963; nem quem contratou os caixões na Santa Casa de Belo Horizonte. Também não respondeu se a firma cedeu veículos para a operação militar. Ele disse ainda não saber para quais hospitais foram levados os feridos no episódio.
 
Empresa admite que havia um órgão para monitorar militância
 
Perguntado por Betinho Duarte, membro da Covemg, se a Usiminas tinha a documentação funcional das vítimas, Afonso Celso Flexa de Lima Álvares, assessor de relações institucionais da Usiminas, respondeu que “se forem empregados, acredito que sim”.

Álvares não conseguiu dizer se a empresa amparou os familiares dos mortos, e nem mesmo se a empresa tem a relação dos funcionários que foram demitidos em 1963.

Ele confirmou que a Usiminas tinha um órgão interno que acompanhava a militância dos funcionários. “Agências de informações internas nas estatais era regra, uma subagência do Serviço Nacional de Informações (SNI) deve ter existido a exemplo do que havia nas outras estatais”, disse.

A coordenadora da CNV, Rosa Maria Cardoso, enviou pedido ao presidente da Usiminas, solicitando os 59 nomes dos demitidos pela empresa 30 dias depois do massacre; a ficha dos 47 feridos dentre os 79 operários atendidos no ambulatório da empresa; a nota fiscal de compra dos caixões e bolsas de sangue; a lista das empreiteiras contratadas, cópias do contrato com a PM e das escrituras de terrenos que faziam parte do acervo da empresa antes de 1963.

A nota fiscal dos caixões é chave, pois um ex-funcionário da siderúrgica teria recebido a missão de transportar 32 unidades um dia após a tragédia.

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