Por que há tão poucas chefs mulheres?

Agência France Presse
05/02/2018 às 19:36.
Atualizado em 03/11/2021 às 01:09
 (THOMAS COEX / AFP)

(THOMAS COEX / AFP)

Um caráter forte e resistente. Assim se definem muitas chefs quando são indagadas sobre como conseguiram espaço no universo da gastronomia, monopolizado pelos homens e, segundo militantes, ainda muito impregnado pelo machismo.

Nas premiações e nos concursos de alta gastronomia é preciso procurar arduamente para encontrar o rosto de uma mulher. Apenas duas figuram na lista britânica das "50 melhores" e ainda é mais raro ver um nome feminino no Guia Michelin, já que representam menos de 5% dos chefs recompensados com estrelas.

Entre os 57 novos estabelecimentos premiados nesta segunda-feira (5) em sua última edição francesa, aparecem somente duas mulheres, que trabalham junto com seus parceiros.

"Não é algo que levamos em conta. Os examinadores verificam a qualidade da cozinha. Não nos fixamos no sexo, na origem e nem na idade", declarou à reportagem Michael Ellis, diretor internacional dos guias Michelin, considerando que é "uma questão de tempo" que cada vez mais haja chefs mulheres.

Segundo observadores, este fenômeno é explicado por vários fatores: a idiossincrasia de um restaurante, baseado no modelo do exército; um ambiente muitas vezes machista; e o fato de que, dos meios de comunicação até investidores, muitos as ignorem.

"Em uma cozinha, há o comando e as ordens. Usam termos como 'chef', 'brigada', 'coup de feu' (disparo, para momentos de mais agitação). Se os seus valores são a empatia e a colaboração - valores sobretudo femininos, como demonstram os estudos -, a cozinha não vai ser um lugar confortável para você", explica a jornalista e especialista gastronômica María Canabal.

'Muitas nem tentam'

"Seja você homem ou mulher, agir como alguém que não é se torna muito cansativo. Muitas desistem, ou nem tentam", afirma Canabal, presidente do Parabere Forum, uma rede que agrupa 5.000 chefs mulheres no mundo.

"É horrível dizer isso, mas me esforcei muito para que esquecessem que sou mulher, para que os homens me aceitassem enquanto chef no setor", admite à reportagem Anne-Sophie Pic, única mulher com três estrelas na França.

A jornalista e diretora do documentário francês "À la recherche des femmes chefs", Vérane Frédiani, defende que a única forma de ir em frente é com um caráter forte. "Ao menos durante os primeiros 10 anos de carreira, até que consiga se impor".

Antes de abrir em 2012 seu restaurante parisiense "Tempero", a chef brasileira Alessandra Montagne comprovou essa realidade trabalhando em vários estabelecimentos. Se aguentou, foi por causa de sua força.

"A cozinha é um universo totalmente fechado. Muitos chefs são donos de suas empresas e acreditam ser onipotentes. Há um machismo puro e duro. Mas não se deve levar as coisas ao pé da letra. Se me dizem que não sirvo, me levanto e vou em frente", afirma esta chef nascida no Rio de Janeiro e que abriu dois restaurantes junto com seu ex-marido.

"Todo chef tem que ser autoritário, se não sua cozinha não serve: tem que oferecer o serviço e os clientes esperam algo bom. Não vai estar no plano 'cool'", explica a mexicana Beatriz González, à frente de três restaurantes em Paris: Neva, Coretta e outro na Grande Épicerie de Paris.

'Não vai aguentar'

Jessica Prealpato, confeiteira do Plaza Athenée (3 estrelas Michelin), concorda que "precisa de caráter".

"Não tem que mostrar o lado sentimental, tem que mostrar que você é firme".

Canabal constata que "os estereótipos estão muito arraigados" na cozinha. "Inclusive nas escolas os professores dizem às meninas: 'você vai conseguir o diploma, mas não vai aguentar'". 

O assédio pode ser outro problema. "Todos os ambientes que são 'male dominated' [dominados por homens] são de risco para as mulheres", continua. 

Frédiani, que entrevistou dezenas de mulheres para seu documentário, vai mais longe: "em geral, as chefs mulheres são mais respeitadas quando são homossexuais, ou trabalham em casal". 

Exemplo a seguir

Anne-Sophie Pic, que participou da produção e defende uma "maior solidariedade" entre as chefs mulheres, aponta para um fator mais social: "quando a mulher se torna mãe de família, se não estiver bem amparada, deverá escolher. Isso é algo que não se pode esquecer".

González, que trabalha com seu marido, defende o caminho aberto pelos homens na gastronomia: "graças a eles temos um exemplo a seguir, queremos trabalhar como eles, ser como eles".

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