Em uma audiência judicial histórica, que poderá ter impacto na imagem já deteriorada da monarquia espanhola, a princesa Cristina de Borbón, filha do rei Juan Carlos, depôs neste sábado em um processo sobre fraude e lavagem de dinheiro em que ela e seu marido poderão ser réus.
O juiz José Castro vai decidir se Cristina, a primeira integrante da família real espanhola a ser interrogada num tribunal desde a restauração da monarquia, em 1975, usou ilegalmente recursos de uma empresa da qual ela e seu marido eram proprietários para despesas pessoais, que incluíram festas extravagantes em sua mansão em Barcelona.
Centenas de manifestantes sopraram apitos, aceleraram motores de motocicletas, soaram buzinas de carros e gritaram lemas como "Fora a coroa espanhola" perto da entrada dos fundos do tribunal em Palma de Mallorca onde Cristina chegou em um modesto carro compacto. Ela sorriu e disse "bom dia" ao grupo de jornalistas.
O juiz Castro convocou a princesa a depor depois de declará-la como suspeita no processo sobre fraude e lavagem de dinheiro. A sessão foi a portas fechadas e durou quase sete horas; ela será importante para determinar se Cristina será acusada formalmente, mas a decisão poderá levar meses para ser anunciada.
O uso, ou abuso dos recursos da empresa de consultoria e negócios imobiliários Aizoon para cobrir despesas da mansão em Barcelona é uma das evidências que Castro reuniu. Nos documentos do processo, o juiz se refere à companhia como "empresa de fachada".
O advogado Manuel Delgado, que representa a Frente Cívica, organização que apresentou acusações em separado contra a princesa, disse a jornalistas durante um recesso que Cristina parecia calma e bem preparada. Ele também afirmou que ela deu respostas evasivas e em alguns casos exerceu o direito de não admitir fatos que poderiam prejudicar sua defesa.
"Ela praticamente não respondeu nada. Ela não sabe, não responde, e é isso", disse Delgado, um dos advogados que tiveram permissão para acompanhar o depoimento.
Delgado se negou a comentar as perguntas feitas pelo juiz, mas disse que a princesa disse a Castro que "tem muita confiança em seu marido".
Os promotores públicos desistiram de intimar a princesa em outro caso relacionado, por causa de evidências insuficientes do envolvimento de Cristina em uma fundação estabelecida por seu marido, Iñaki Urdangarín, um ex-medalhista olímpico de handebol que virou empresário.
Os problemas da filha mais nova do rei Juan Carlos com a Justiça prejudicaram ainda mais a imagem da monarquia, num momento em que a Espanha tem uma taxa de desemprego de 26% e quando boa parte da população tem manifestado sua oposição aos aumentos de impostos, às medidas de austeridade impostas pelo governo do Partido Popular, de centro-direita, e à corrupção entre pessoas próximas ao governo.
Cristina respondeu ao interrogatório de uma cadeira diretamente em frente ao juiz. Por trás dele estava um retrato do chefe de Estado - o pai dela.
Do lado de fora, manifestantes mantiveram uma vigília na qual gritaram slogans republicanos. "Eles vivem às nossas custas, e é o cúmulo que também roubem de nós", disse o marceneiro Pep Fuster, de 27 anos, que protestava usando um apito.
"Não acho que seja justo que a Justiça proteja aqueles que são culpados, mas têm mais dinheiro do que o resto", declarou a desempregada Natalia Ferraras, de 26 anos.
Nos documentos do processo, Castro diz que precisa determinar se o casal real deixou intencionalmente de registrar despesas pessoais em suas declarações de impostos e se as quantias anuais superavam os 120 mil euros. Neste caso, isso seria um crime cuja pena prevista é de prisão. Se as quantias forem menores, a punição mais provável é na forma de multas.
Esse caso deriva de outro, também conduzido por Castro, no qual o juiz investiga Urdangarín sob a acusação de ter usado seu título de duque de Palma para obter contratos públicos por meio do Instituto Noos, que ele e um sócio estabeleceram para canalizar dinheiro para outras empresas, entre elas a Aizoon.
Os documentos do processo mostram que o juiz quer eliminar as incertezas sobre 1,2 milhão de euros que podem ter sido transferidos do Noos para a Aizoon. O tribunal já concluiu que a princesa Cristina, de 48 anos, que é diretora de uma fundação bancária, não teve nenhum envolvimento com o instituto Noos.
Os dois casos estão sendo investigados em Palma de Mallorca porque muitos dos negócios que Urdanjgarín e seu sócio intermediaram para o instituto Noos foram nas ilhas Baleares, das quais Palma é a maior cidade.
Os casos vêm se arrastando há anos. Especialistas na monarquia espanhola dizem que a família real está ansiosa para que os processos sejam concluídos rapidamente, de modo que eles possam tentar reconquistar a confiança. A monarquia era estimada pela população por causa do papel desempenhado por Juan Carlos na transição da ditadura do general Francisco Franco para a democracia. Franco governou a Espanha desde que suas tropas derrotaram a República, na Guerra Civil de 1936/39, até sua morte, em 1975.
Agora, a imagem da monarquia está manchada não só por causa das acusações contra a princesa, mas também pelas enormes despesas da expedição do rei para caçar elefantes em Botsuana, em 2012 - no auge da crise financeira e quando o desemprego atingia seus níveis mais altos na Espanha. Fonte: Associated Press.
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