CAIRO - Milhares de partidários do presidente islâmico deposto, Mohamed Mursi, protestaram nesta sexta-feira no Egito diante das forças de ordem, autorizadas a atacá-los com armas de fogo, desencadeando uma onda de violência que deixou ao menos 173 mortos, mil detidos e transformou bairros inteiros em campos de batalha.
O governo egípcio, instaurado pelo Exército, indicou que enfrenta "um complô terrorista" da Irmandade Muçulmana para justificar a repressão que deixou mais de 680 mortos nos últimos dias, em sua maioria manifestantes fiéis ao presidente destituído.
"O governo afirma que seus membros, as Forças Armadas, a Polícia e o grande povo do Egito estão unidos para combater o complô terrorista tramado pela Irmandade Muçulmana".
Segundo o ministério do Interior, "o número de seguidores da Irmandade Muçulmana detidos é de 1.004," sendo 558 no Cairo.
Na capital egípcia, fortemente patrulhada pelo Exército e por comitês populares partidários do governo, ocorreram tiroteios com armas automáticas em diferentes bairros, principalmente em torno da Praça Ramsés, onde milhares de partidários da Irmandade Muçulmana estavam reunidos.
Os corpos de pelo menos 39 pessoas foram enfileirados em mesquitas do Cairo. Soldados e policiais dispersaram os manifestantes favoráveis a Mursi na capital, constatou um correspondente da AFP.
Na noite desta sexta-feira, a polícia cercou a mesquita de Al-Fath, no Cairo, onde estão vários militantes islâmicos partidários de Mursi, que acusam as forças da ordem de atirar contra o prédio.
"Milhares de pessoas estão cercadas na mesquita e os disparos na região ocorrem há mais de uma hora, sem cessar", informou por e-mail o Partido da Justiça e da Liberdade, braço político da Irmandade Muçulmana. Um alto oficial, citado pela agência de notícias Mena, afirmou que "elementos armados atiraram contra as forças da ordem a partir das mesquita" de Al-Fath.
Por volta da 1 horas de sábado, o Exército propôs a saída das mulheres da mesquita mas exigiu interrogar os homens, o que foi rejeitado pelos militantes refugiados no local, disse à AFP um dos manifestantes, confirmando a presença de mais de mil pessoas no templo. O Partido da Liberdade e da Justiça afirma que há 130 mortos apenas na capital, e segundo fontes de segurança, 31 pessoas morreram em diferentes províncias do Egito.
Em Suez, cinco pessoas foram mortas durante a noite pelas forças de ordem e dezenas ficaram feridas durante uma manifestação durante o toque de recolher, segundo fontes da segurança. Tiros também eram ouvidos em outras grandes cidades do país onde os partidários de Mursi protestavam, como Alexandria (norte), Beni Sueif e Fayum, ao sul do Cairo, e na cidade turística de Hurghada, às margens do Mar Vermelho.
Frente à escalada, que desperta temores de que o país, em estado de emergência desde quarta-feira e onde impera um toque de recolher noturno em várias províncias, mergulhe no caos, os Estados Unidos fizeram um novo apelo para que não seja empregada força excessiva contra os manifestantes, enquanto os europeus estudam "a adoção de medidas". A Alemanha indicou inclusive que quer revisar suas relações com o Cairo.
O grupo islâmico Aliança contra o Golpe de Estado convocou seus seguidores a protestar diariamente. "Haverá manifestações contra o golpe de Estado todos os dias", disse, depois de seu movimento ter convocado seus partidários a protestar "aos milhões" e "pacificamente" para denunciar o "massacre".
Laila Musa, outra porta-voz do mesmo movimento, denunciou a prisão de seguidores de Mursi antes dos protestos desta sexta, entre os quais há pelo menos dois ex-membros do Parlamento. Já o Tamarrod, movimento que promoveu as gigantescas manifestações pela destituição de Mursi, pediu que os egípcios formem "comitês populares" para defender o país do que ele chama de "terrorismo" da Irmandade Muçulmana, à qual pertence Mursi. As autoridades decretaram estado de emergência durante um mês na quarta e um toque de recolher na metade do país entre 19 horas (14 horas de Brasília) e 06 horas (01 horas de Brasília).
A situação no Egito causa preocupação na comunidade internacional. Os Estados Unidos pediram nesta sexta-feira que o Egito não recorra à "força letal" contra manifestantes pacíficos. "Dissemos claramente que os egípcios têm o direito universal de se reunir e se expressar livremente, inclusive durante manifestações pacíficas", escreveu a porta-voz do departamento de Estado Jennifer Psaki, em uma mensagem eletrônica enviada à AFP.
Na quinta, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, havia anunciado o cancelamento dos exercícios militares conjuntos entre seu país e o Egito, após condenar "energicamente" a repressão, mas sem chegar a cortar uma vultosa ajuda financeira ao Cairo.
O presidente francês, François Hollande, e a chanceler alemã, Angela Merkel, pediram nesta sexta uma resposta unificada europeia urgente para a crise egípcia, anunciou a Presidência francesa. O mandatário francês e a primeira-ministra alemã pediram "que os ministros das Relações Exteriores da União (Europeia) se reúnam rapidamente na próxima semana para analisar a cooperação entre a União Europeia e o Egito e elaborem respostas comuns", segundo o Eliseu.
Os representantes dos 28 Estados membros da União Europeia se reunirão na segunda-feira em Bruxelas para analisar a situação, indicou nesta sexta-feira o gabinete de Catherine Ashton, chefe da diplomacia europeia. Já o rei Abdallah da Arábia Saudita manifestou apoio às autoridades egípcias "contra o terrorismo" e advertiu para o perigo de "intromissões" nos assuntos internos do Cairo. A Jordânia também manifestou o seu apoio ao governo egípcio em sua luta para "combater o terrorismo".
Centenas de pessoas participaram de manifestações convocadas por grupos islamitas em Cartum, Amã, Rabat, Jerusalém Oriental e na Cisjordânia para denunciar "o golpe de Estado" contra Mohamed Mursi. Nesta sexta, a Coalizão pró-Mursi condenou os ataques de islamitas contra igrejas cristãs no país, mas aproveitou para acusar alguns cristãos de apoiar a derrubada do primeiro presidente democraticamente eleito no país. "Embora alguns líderes coptas tenham apoiado ou, inclusive, participado do golpe, este tipo de ataques não se justifica", indicou.