(DIONE AFONSO)
Relatório da operação “Tempo de Despertar”, deflagrada pela Polícia Federal e Ministério Público Estadual em Minas, Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia para coibir um esquema bilionário de fraudes contra o seguro DPVAT, revela que a “indústria de acidentes” montada pela quadrilha “entupiu” o Judiciário de Montes Claros, no Norte de Minas. São 10 mil ações de supostas vítimas interessadas em receber as indenizações.
Servidores públicos corruptos foram essenciais para criar o congestionamento de processos. Somente o policial civil Fernando Lopes das Neves, preso temporariamente na operação, produziu 3.600 boletins de ocorrência (BO) em curto espaço de tempo, conforme documentos obtidos pelo Hoje em Dia. Como os BOs eram comercializados com as empresas intermediárias por R$ 150 a unidade, Fernando Lopes teria lucrado mais de meio milhão de reais.
Outro indício da fraude está relacionada à quantidade de acidentes de automóvel registrados em Montes Claros. Em 2013, foram constatadas 11 mil batidas com vítimas só na área urbana do município. Para os investigadores, o cálculo é “estarrecedor” e “absurdo” já que, para isso ocorrer, teria de ser registrada uma ocorrência de trânsito para cada grupo de 16 veículos.
Patrocinada por empresas intermediárias com sede no Norte de Minas – Acitrânsito, Santana & Alencar, Segtran Seguros, Aciseg Seguros e Fernando Seguros –, a enxurrada de ações judiciais é proposta em desfavor do caixa da Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT.
Companhia de capital nacional fiscalizada pela Superintendência de Seguro Privado (Susep), autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, a Seguradora Líder, com sede no Rio, e seus principais dirigentes estão no centro das investigações. Segundo a PF e o MPE, a seguradora tinha pleno conhecimento das fraudes.
Pagamentos irregulares
Além dos diversos exemplos de liberação de recursos com base em boletins de ocorrência e laudos médicos falsificados, há ainda autorizações de pagamento antes e depois do indeferimento da homologação dos acordos judiciais.
Em outros casos, os valores eram pagos mesmo não havendo laudo pericial do Instituto Médico Legal (IML) atestando a lesão sofrida.
Há ainda pagamentos quando o alegado sinistro não decorreu de acidente de trânsito. Ao todo, 51 investigados, entre pessoas físicas e jurídicas, estão envolvidas com a fraude.
Os suspeitos vão responder pelos crimes de estelionato, corrupção passiva e ativa, formação de quadrilha e falsidade de documento público. O recolhimento do DPVAT gera cerca de R$ 9 bilhões de receita por ano. Desse montante, algo em torno de um R$ 1 bilhão foi desviado no período de 12 meses.
Juízes desconfiam do excesso de pedidos de indenização e evitam aprovar os acordos
Em razão das sucessivas fraudes na concessão de recursos do DPVAT em Montes Claros, no Norte de Minas, foco principal da operação “Tempo de Despertar”, quatro juízes da cidade têm se recusado a homologar acordos propostos por representantes da Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT, no Rio de Janeiro. São eles, os juízes Danilo Campos, Leopoldo Mameluque, João Adílson Nunes de Oliveira e Richardson Xavier Brant.
Ouvido pela Polícia Federal como colaborador das investigações, Mameluque relatou a indignação dos magistrados da cidade com relação às incessantes fraudes perpetradas pela organização criminosa que lesa o DPVAT em R$ 1 bilhão por ano.
Desde a chegada dele na comarca, em 2012, Mameluque diz ter ficado surpreso com a quantidade de ações requerendo indenização do Seguro Obrigatório. Segundo o magistrado, os processos tinham características repetitivas. A estranheza aumentou, de acordo com o juiz, quando as ações acabavam sendo enviadas ao IML para realização de uma nova perícia.
A partir dessa atitude, alguns requerentes desistiam da ação, enquanto em outros casos advogados recorriam ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais que, em regra, se colocava contrário à realização de outro exame. “Ao manifestar-se nos agravos, a seguradora demandada geralmente manifestava-se contra a nova perícia, salvo raras exceções”, declarou.
Em diversas ações, o acordo era homologado diretamente pelo TJMG ou vinha com a determinação para que fosse apreciado sem a perícia ou que fosse homologado.
Por fim, Mameluque cita uma conversa que teve com o juiz Danilo Campos, também de Montes Claros. No diálogo, Campos comentou ter sido repreendido por uma das câmaras cíveis do TJMG por ter se recusado a homologar acordo proposto em processo de indenização complementar do DPVAT.
Denúncias
Por meio de nota, a Seguradora Líder informou que vem apresentando à polícia, desde 2010, denúncias contra pessoas e empresas envolvidas com fraude no DPVAT. Essa postura integra a política de segurança adotada pela seguradora em todo país. Somente em Montes Claros, de acordo com a nota, 115 casos foram denunciados à polícia.
Em 2014, foram comprovadas pela seguradora 7.076 tentativas de fraude contra o Seguro Obrigatório e, nesse mesmo período, foram oferecidas 4.102 novas representações criminais, que devem resultar em instauração de inquéritos policiais, apresentação de denúncias pelo Ministério Público e sentenças condenatórias.