(Lucas Prates)
Três em cada dez municípios mineiros estão proibidos ou em vias de ser proibidos de contratar funcionários – a não ser para substituir aposentados e falecidos nas áreas de saúde, educação e segurança –, de criar cargos, de conceder vantagens e reajustes salariais e até de pagar horas extras aos servidores.
O motivo é que os prefeitos encontram-se enquadrados na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) por terem atingido, no primeiro semestre de 2017, percentuais superiores a 90% ou a 95%, dependendo da cidade, do limite de gastos totais de 60% da receita com folha de pessoal (6% para os legislativos e 54% para os executivos municipais), fixado pela legislação.
A lista de “alertas” nesse sentido atinge 297 dos 853 municípios de Minas (35% do total), além de duas câmaras municipais, e foi publicada em 23 de março último no Diário Oficial do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG).
O número é bem inferior ao registrado no primeiro semestre de 2016, quando 481 prefeituras mineiras, ou 56% do total, receberam o mesmo alerta do TCE, além de 11 câmaras municipais – esses levantamentos são feitos pelo órgão quadrimestralmente. Segundo a assessoria do tribunal, a quantidade de administrações municipais em situação de risco relativo à LRF era maior, há dois anos, em razão da crise fiscal no setor público, mais aguda na ocasião. Mas o fato de que mais de um terço das cidades do Estado permaneça engessado pelos gastos com pessoal segue sendo preocupante.
“A situação dos municípios de Minas é dramática”, diz o prefeito de João Pinheiro, cidade de 45 mil habitantes no Noroeste do Estado, Edmar Xavier Maciel (PDT). “Nossa receita vem caindo nos últimos anos, em função da crise econômica do país, e eu não posso deixar de dar aumentos para os servidores, até porque são previstos em lei. Se eu perder mais R$ 1 milhão de arrecadação este ano, vou estourar o orçamento com a folha”, acrescenta.
Maciel afirma que, desde que assumiu a prefeitura, no ano passado, está tentando impedir o pior, por meio de medidas como corte de salários de ocupantes do primeiro escalão de 10% – o dele, inclusive – e a manutenção de apenas 20% dos cargos de confiança. “Mesmo assim, o sinal de alerta está aceso. Nossa esperança é de que a economia continue melhorando e, com isso, tenhamos aumento de receita”, diz.
No caso de João Pinheiro, os relatórios exigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, remetidos ao TCE, são relativos à data-base de 30 de abril de 2017. Na ocasião, a prefeitura mostrou ter despendido 53,55% da receita corrente líquida municipal com pessoal (mais de 95% do que é permitido pela LRF).
FPM
Em Abaeté, na região Centro-Oeste de Minas, que no primeiro semestre de 2017 gastava 49,92% da receita com pessoal (mais de 90% do permitido pela LRF), a situação é ainda mais grave.
Segundo o prefeito Armando Greco Filho (DEM), a penúria se deve ao fato de a cidade viver quase que exclusivamente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), sem poder contar com arrecadação de impostos significativos na própria região.
“Tenho 840 servidores no Executivo, ganhando salários baixos e que estão sem aumento há mais de seis anos. A única forma de mantê-los na prefeitura é através de abonos, pagos muitas vezes para fazer com que os vencimentos atinjam o valor do salário mínimo”, afirma.
Como se não bastasse, informa o prefeito, ainda há gastos crescentes com insumos básicos para o funcionamento da máquina municipal, caso do combustível. “Só na área da saúde, de seis a dez carros são usados por dia. Nosso gasto com combustível é de R$ 90 mil por mês e não para de aumentar, assim como os preços nas bombas”, ressalta.
Entre os quase 300 municípios que enfrentam problemas com a LRF, estão duas cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte com arrecadação acima da média.
Em Nova Lima, segundo a publicação do TCE-MG, os gastos com pessoal atingiram 52,82% da receita corrente líquida e em Betim, 52,15%. Em ambos os casos, a data base considerada foi 30 de abril de 2017 e os percentuais ultrapassaram 95% do que é permitido pela LRF.
‘Marcha dos Prefeitos a Brasília’ tenta reverter situação caótica
Diante de problemas sérios de caixa em razão da queda constante da arrecadação, além de atrasos de repasses de recursos federais e estaduais, chefes mineiros dos executivos municipais de todas as regiões do Estado, inclusive os que receberam alertas do TCE quanto à possível superação de limites da LRF, devem integrar, em 20 de maio, a “Marcha de Prefeitos a Brasília”.
Segundo o presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM) e prefeito de Moema, Julvam Lacerda, a situação está de fato insustentável e a marcha é mais uma tentativa de encontrar apoio para reverter o quadro de calamidade de muitas prefeituras.
“Nossa receita só cai, ano a ano, e é cada vez mais difícil ter de dar ajustes anuais ao funcionalismo, que representam o maior gasto dos municípios”, afirmou. Julvam lembrou que parte do problema está na demora no recebimento, pelas prefeituras, de verbas garantidas constitucionalmente aos municípios, que deveriam ser transferidas pelo Estado e pela União.
“A maioria das cidades trabalha no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal e corre risco de superar os 60% da receita com pagamento de servidores, a não ser que os governos regularizem suas obrigações e paguem o que devem”, sustenta.
O presidente da AMM ressaltou ainda que o tripé de maiores despesas das prefeituras mineiras inclui, além da folha de pessoal, o combustível e a energia elétrica. “E, infelizmente, esses dois gastos também não param de subir”, afirmou.
Aumento de preços
No caso dos combustíveis, a Petrobras aumentou o valor da gasolina em quase 30% em todo o país, em pouco mais de seis meses, desde que implantou sua nova política de preços. Foram, ao todo, 116 mudanças de preço, 61 delas para cima.
O diesel, também bastante usado pelas prefeituras, teve ainda mais alterações: 68 altas no preço contra 52 quedas, acumulando valorização de 25,42% no período.
Em relação à energia elétrica, o temor dos prefeitos de crescimento de gastos também é mais que justificável. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) discute, no momento, aumento significativo para as tarifas da Cemig, o que deve atingir todos os tipos de consumidores do Estado. A elevação média, ainda em estudo, pode passar de 25% e os novos valores devem começar a vigorar em 28 de maio.
Socorro
De acordo com Julvam Lacerda, os prefeitos mineiros tiveram um alento, este ano, com a liberação de recursos extras pelo governo federal para auxiliar o ajuste de caixa dos mais de 5,5 mil municípios em todo o país.
O crédito previsto na Medida Provisória 815, assinada em fevereiro pelo presidente Michel Temer, autorizou a transferência aos entes federativos que recebem o Fundo de Participação dos Municípios – FPM, no exercício de 2018, de R$ 2 bilhões. “Para Minas, o socorro foi de R$ 260 milhões. Ajudou um pouco, mas ainda é muito aquém do que as prefeituras precisa para sair da crise”, afirmou.
ALÉM DISSO
A Lei de Responsabilidade Fiscal, que vigora desde 2000, apresenta dois tipos de sanções pelo seu descumprimento: as institucionais, previstas na própria LRF, e as pessoais, previstas na lei ordinária que trata de Crimes de Responsabilidade Fiscal.
No caso de prefeitos ou quaisquer governantes que excederem 95% do limite máximo de gastos com pessoal, apenas um dos aspectos da legislação, ficam suspensas no município a concessão de novas vantagens aos servidores, a criação de cargos, as novas admissões e a contratação de horas extras.
Uma vez ultrapassado o limite máximo, ficam também suspensas a contratação de operações de crédito e a obtenção de garantias da União. Nessa hipótese, os governantes podem ser responsabilizados e punidos, por exemplo, com perda de cargo, proibição de exercer emprego público, pagamento de multas e até prisão.