Que país é este?

01/04/2016 às 21:42.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:45

Um capítulo específico da trajetória da Legião Urbana tem aparecido com frequência em meus pensamentos nas últimas semanas. Infelizmente, as lembranças de uma das principais referências da história do rock brasileiro não surgiram em minha mente por nostalgia da juventude. Elas foram provocadas pela indignação com o triste momento que o país atravessa e, principalmente, pelas baixas expectativas que o atual cenário nos apresenta para o futuro. Solicitando licença para citar uma música lançada pela banda em 1987, não vejo expressão melhor para definir nossa situação atual do que questionar: “Que País é Este?”

Estamos enfrentando uma profunda crise econômica criada, entre outros motivos, por um deplorável modelo de gestão política que permite e incentiva o desvio de recursos públicos para financiar projetos de poder. A principal vítima dessa incompetência administrativa é a população. Até outro dia, havia pânico em todo o Brasil por causa do zika vírus, transmitido pelo mosquito Aedes Aegypti. O brasileiro percorria as farmácias em busca de repelente. Nos últimos dias, ficamos todos apavorados com receio contrair o vírus H1N1. Os riscos de epidemias provocadas pelo inseto ainda não foram eliminados, mas a nova ameaça mudou o foco do drama que os brasileiros vivem na saúde. Casos graves da gripe do tipo Influenza A, causada pelo H1N1, foram registrados em 11 Estados desde janeiro deste ano, deixando 46 mortos.

Assim como ocorreu nas crises de dengue e zika vírus, mais uma vez o governo federal demora a agir. Embora o número de óbitos provocados pelo H1N1 seja crescente, as vacinas só chegarão à rede pública no meio do mês de abril. Além disso, nenhuma campanha nacional de informação e conscientização foi discutida até o momento.

Esse evidente desprezo às necessidades dos cidadãos encontra significado na frágil posição política da presidente Dilma Rousseff. O ministro da Saúde, Marcelo Castro, é filiado ao PMDB, partido que anunciou rompimento com o governo. Castro discorda da decisão partidária e está amplamente dedicado a garantir sua permanência. Dilma, por outro lado, pretende usar o Ministério, um dos mais importantes e valorizados, para barganhar votos na comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o pedido de impeachment contra ela. Ou seja, para as autoridades responsáveis, a saúde dos brasileiros está em segundo plano.

As complicações não param por aí. A possibilidade de interrupção da gestão Dilma é tão real, que vários setores da sociedade já especulam e debatem sobre o futuro governo. Surgem, então, mais motivos para preocupação. Se a petista cair, o vice-presidente Michel Temer assume o comando do Poder Executivo e deixa seu atual cargo, o seu vice, na prática, será o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.

O possível futuro vice-presidente, por sua vez, é réu em uma ação penal por corrupção e alvo de um pedido de afastamento que está sendo analisado pelo Conselho de Ética da Câmara. Pelo menos por enquanto, mantém-se no cargo graças a seguidas manobras regimentais utilizadas para obstruir os trabalhos da comissão.

Nesta semana tentei apresentar um panorama da situação a um grupo de parlamentares suecos em visita oficial ao Legislativo brasileiro. Tarefa extremamente difícil. Para eles, é quase impossível compreender a moral brasileira. Os europeus ficaram particularmente impressionados com o enredo em torno de Cunha e as alternativas disponíveis para o presidente da Câmara se proteger. Na Suécia a legislação não concede privilégios aos políticos, e os envolvidos em casos de corrupção são execrados pela opinião pública. Simples assim, sem embromação.

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