(Arquivo Hoje em Dia)
O ex-ministro da Cultura, Juca Ferreira, assume nesta segunda_feira (19), a área em Belo Horizonte. Escolhido por Alexandre Kalil, em um anúncio que pegou de surpresa o setor cultural mineiro, no início do mês, o baiano vai comandar a Fundação Municipal de Cultura, sem gestor desde a saída de Leônidas de Oliveira, enquanto o projeto que recria a Secretaria Municipal de Cultura espera aprovação da Câmara Municipal.
Criada na gestão de Patrus Ananias (1993-1996), a secretaria foi extinta em 2005 pelo então prefeito Fernando Pimentel. “A volta da secretaria converteu-se em demanda histórica de parte significativa dos agentes culturais da cidade”, afirma a vereadora Áurea Carolina, em texto escrito com a também vereadora e militante cultural Cida Falabella.
A cultura mineira, cuja efervescente produção tem se comprovado ao longo dos anos, viu com bons olhos a chegada do novo gestor – principalmente porque ela representa a recriação da secretaria, prometida por Kalil durante a campanha. Mas o assunto tem dividido opiniões: criar a nova secretaria ou manter a fundação? Em entrevista ao Hoje em Dia, na semana passada, Juca Ferreira afirmou que a melhor opção é unificar as duas propostas.
“Essa oposição não existe. Acho que a discussão não está bem posta. A criação da secretaria não acaba com a fundação. A ideia é ter uma estrutura orgânica, em que a existência da secretaria colocaria a cultura no patamar de outras políticas, participando de reuniões com o prefeito e valorizando o orçamento para a área. Já uma fundação cultural pode nos dar agilidade na captação de recursos e na execução de programas e projetos. Uma secretaria bem desenvolvida tem uma estrutura descentralizada, com uma ou até mais fundações. Isso é normal”, salientou Ferreira, que também foi secretário de Cultura de São Paulo, na administração de Fernando Haddad (PT).
Experiência, de fato, não falta a Juca Ferreira. O baiano começou a trabalhar no Ministério da Cultura em 2003, quando foi convidado pelo então ministro Gilberto Gil para o cargo de secretário-executivo da pasta, onde permaneceu por cinco anos. Em agosto de 2008, assumiu o ministério, onde trabalhou até o fim do governo Lula, em 2010. Com a reeleição de Dilma, deixou a secretaria de Haddad e voltou a assumir o Ministério da Cultura, de onde saiu após o impeachment da presidente.
Para além do debate sobre a criação da Secretaria Municipal de Cultura, Juca Ferreira vai encontrar acertos e desafios oriundos das gestões passadas e do atual momento político e econômico que vive o Brasil. Para entender melhor o terreno que o gestor encontrará em BH, conversamos com alguns fazedores de cultura, que apontaram desafios e prioridades para Juca Ferreira.
Leonardo Lessa - Artista de teatro e Gestor Cultural Janine Moraes/Divulgação
"Para orientar a nova gestão, cidadãs da capital mineira já construíram importantes marcos legais: a Política Municipal de Fomento, o Plano e o Sistema Municipal de Cultura. Essas leis foram elaboradas em importantes instâncias de participação social, como o Conselho Municipal de Políticas Culturais e as Conferências Municipais de Cultura, que devem ser cada vez mais fortalecidas. A nova Secretaria conta com uma potente rede de equipamentos públicos de cultura: 17 centros culturais, 3 museus, 3 teatros públicos, entre outros, que precisam ser priorizados não somente no que diz respeito à sua programação, mas também no diálogo com as comunidades em que se localizam, articulados em rede e com programas setoriais que possam fomentar a cultura viva que pulsa em todos os cantos de BH. A tradição da cidade em realizar eventos calendarizados (festivais, mostras, viradas, encontros) de iniciativa da própria prefeitura ou de agentes culturais da cidade deram relevância à nossa produção artística no cenário nacional e internacional. Essas iniciativas também merecem um olhar específico do poder público. Apesar de sua natureza eventual, FIT, FAN, FIQ, FLI e Virada Cultural devem ser um marco temporal que torne visível o conjunto de políticas voltadas para esses setores, e não as próprias políticas, como temos percebido nos últimos anos. As políticas para a formação artística, que ganharam destaque na última gestão de Juca à frente do MinC, devem ter na Escola Livre de Artes – Arena da Cultura um espaço privilegiado para prosperar em âmbito municipal. O município precisa recompor as sucessivas perdas orçamentárias do Fundo Municipal de Cultura, que completa agora um ano e meio de atraso".
Titane - Cantora e militante da área culturalBruno Figueiredo/Divulgação
"Acredito que o grande desafio que temos na gestão pública é criar mecanismos que avaliem as ações pela consistência e pela qualidade dos projetos. Hoje, as avaliações são quantitativas, fiscais, muitas vezes feitas por departamentos jurídicos de instituições que não têm a menor sensibilidade para com a cultura, que não conhecem a complexidade do fazer artístico. Isso faz com que sejam sacrificados projetos fundamentais, pioneiros e de grande poder de multiplicação social nas comunidades de atuação. Outro grande problema é que a disponibilização de equipamentos cresceu muito, mas não foi acompanhada pela valorização dos recursos humanos. Se não são colocadas, nesses equipamentos, cabeças pensantes, inquietas e responsáveis, eles viram grandes elefantes brancos. Penso que a cultura não precisa apenas de uma pasta, mas de uma pasta com recursos e possibilidades para exercer a função à altura. A decisão de recriar a secretaria é uma vitória, pois a extinção reduziu a dimensão da cultura na gestão pública. Mas essa secretaria só funcionará se houver condições que tornem viável o trabalho do Juca".
Beto Franco - Ator e diretor-presidente do Grupo GalpãoGuto Muniz/Divulgação
"Acabamos de passar por um momento difícil em Belo Horizonte, com as gestões de Marcio Lacerda, que tinham uma atuação muito fraca, até contrária, no que toca à cultura. Juca Ferreira, por sua vez, tem a experiência de ter sido ministro da cultura, é um cara muito inteirado do ambiente cultural e bem articulado com o setor. De modo geral, percebo que o meio cultural recebeu com bons olhos a nomeação dele. O primeiro desafio é fazer com que a secretaria volte, de fato, com força dentro do executivo municipal. Espero que seja uma pasta firme, que tenha recursos para implementar novas políticas e programas culturais. Talvez uma boa iniciativa seja a aproximação com agentes do setor cultural. Escutar os setores para levantar as demandas e, assim, conseguir respondê-las. Por exemplo, no caso das artes cênicas, uma demanda é reequipar os teatros municipais, que estão um pouco largados, e buscar uma política de ação mais efetiva nas periferias. Acho que, quando a secretaria tiver força política e recursos, Juca deve buscar uma ação efetiva no sentido de reativar os editais. A cultura é algo de que a cidade precisa, e os artistas precisam trabalhar. Quando o município fomenta a cultura, a cidade se movimenta e o artista tem a oportunidade de viver do próprio trabalho. Sem contar que é um setor que mobiliza grande cadeia produtiva, que emprega muito, direta e indiretamente".
Raquel Coutinho - Cantora, compositora e produtora culturalAna Migliari/Divulgação
"A gente tem uma produção cultural muito rica em Minas, e BH é o polo disso. Alguns projetos vêm agregando e desenvolvendo políticas de capacitação, de treinamento, de desenvolvimento de mão de obra, como os chamados Pontos de Cultura. Essas iniciativas devem ser mais abrangentes e descentralizadoras, envolvendo também as periferias e pequenos núcleos de produção, e é importante que o Juca dê atenção a elas. Acredito que, para um secretário de cultura, a grande dificuldade é entender a estrutura cultural da cidade como um todo. Temos vários cruzamentos, é tudo interligado, e Juca deve ter um olhar sensível para conhecer essas redes, que são formadas por associações, núcleos, coletivos e produtores. O desafio de Juca é formar uma equipe que possa fazer essa pesquisa em BH, identificando os focos de produção para dar passos agregadores, com ações culturais efetivas. A secretaria deve manter vivos os projetos que estão dando frutos e incentivar a criação de políticas públicas que dêem mais força à cultura. Também é preciso movimentar casas e espaços que estão abandonados, bem como parques e praças que também têm muito potencial para receber todo tipo de ocupação cultural. E, claro, conseguir recursos para a área cultural e reativar os editais é fundamental, afinal são eles que também dão o suporte para que o artista possa trabalhar".
Makely Ka - Músico, compositor e integrante do Coletivo MatracaMarco Antônio Gonçalves Jr./Divulgação
"Belo Horizonte está entre as cidades com a maior desigualdade social do mundo. Para quem vive aqui isso pode não ser óbvio, mas tampouco é uma surpresa. Nesse ambiente de tensão constante, a cultura é um espaço de interlocução entre as diferenças, e a música, uma possibilidade de convívio, senão harmônico, pelo menos intenso. Sem dúvida, uma característica peculiar da música produzida na capital mineira hoje é a capacidade de promover o encontro dos contrários de forma espontânea, não- programática. Talvez seja um artifício inconsciente e coletivo de sobrevivência, mas o fato, que pode ser observado tanto nas formações dos grupos, nas fichas técnicas dos discos, no público que frequenta os shows, é que não há uma divisão rígida das tribos urbanas identificadas com estilos e gêneros musicais específicos como se verifica na maioria das grandes metrópoles. A harmonia, ou a falta dela, é sempre um elemento de referência nessa produção, muitas vezes como contraponto ou diálogo cruzado com uma tradição recente. A música, por sua vez, integra outras artes como a dança, o teatro, o audiovisual, a literatura. Em Minas, essas colaborações transversais se multiplicam e as linguagens se retroalimentam num processo cada vez mais vertiginoso e necessário para a dinâmica de funcionamento. Ou de sobrevivência. As pessoas entenderam que para ter autonomia precisam trabalhar coletivamente, e que esse tecido social fundamenta e dá sentido ao ato criativo, muitas vezes solitário. Prova de que o arco das artes está tensionado tanto quanto o das relações sociais, mas aponta para outros alvos. Quando encontra os canais para se manifestar, essa produção cultural mostra toda a potência, seja no Carnaval de Rua, no Duelo de MCs, na Praia da Estação, na efervescência da cena musical, da dança, do cinema. Espero que o novo secretário da futura Secretaria de Cultura tenha capacidade de reinventá-la".
Rose Pidner - Produtora cultural e diretora da Veredas ProduçõesÉlcio Paraíso/Divulgação
"O que vejo de positivo em Belo Horizonte é a efervescência cultural que saiu para as ruas e praças da cidade. Muitos festivais de música, teatro, livros, gastronomia estão ao alcance dos cidadãos. Existe aqui uma riqueza criativa enorme, com grandes artistas e fazedores de cultura em todas as áreas, excelentes técnicos que conhecem e dão conta de desenvolver e realizar projetos. Dos mecanismos de custeio existentes à Lei de Incentivo à Cultura, que está consolidada com seus dois mecanismos, o Incentivo fiscal e o Fundo Municipal, tudo deve ser mantido, sempre buscando maior dotação orçamentária. Porém os desafios são muitos e o principal deles é como administrar com recursos escassos. Um exemplo: nossos museus municipais estão à míngua, sem verba para exposições, sem o mínimo de funcionários necessários para manutenção, limpeza, segurança etc. Este é um de vários outros problemas a serem enfrentados. Desejo boa sorte e boa administração ao Juca Ferreira".