(PM Divulgação)
Acesso a ruas fechado com correntes, pneus e veículos em chamas, luzes apagadas após tiros nos transformadores de energia do bairro e um armamento pesado, de uso exclusivo das Forças Armadas. Para policiais e especialistas em segurança pública, o assalto cinematográfico a uma empresa de transporte de valores em Uberaba, no Triângulo, na madrugada de ontem, revela o tamanho da ousadia e profissionalismo dos criminosos que, até o fechamento desta edição, não haviam sido presos.
A ação também acende o alerta sobre a possibilidade de explosões de caixas eletrônicos, comuns em cidades com população inferior a 15 mil habitantes, chegarem aos municípios de médio porte do Estado. “Por ser mais fácil, esse tipo de crime ocorre em cidades pequenas. Os bandidos cercam os batalhões, que têm contingentes menores. Mas agora eles desafiam as autoridades com um planejamento capaz de fazer o mesmo em uma cidade maior. Com certeza outras podem estar na mira”, afirma Islande Batista, especialista em segurança. Uberaba tem cerca de 320 mil habitantes.
A Polícia Militar (PM) promete reagir. “Temos um plano de intervenção no interior com treinamento de policiais para lidar com ataques a agências bancárias. Mas esse fato (de Uberaba) surpreendeu o comando e a estratégia será ampliada para cidades de médio porte”, afirma o tenente Cristiano Araújo.
Polícia Militar/DivulgaçãoCarros de moradores foram incendiados
Cenário de guerra
A ação em Uberaba teve início por volta das 3h e se estendeu até 5h20. Os bandidos usaram veículos e pneus em chamas para evitar a passagem dos policiais pelas ruas, além de correntes e os chamados ‘miguelitos’, objetos que perfuram pneus. Foram dados vários tiros como forma de intimidação.
Enquanto isso, comparsas explodiram a empresa e roubaram o dinheiro. Na fuga, os ladrões abandonaram seis carros e um caminhão com dinamites, encontrados na tarde de ontem pela polícia.
O rastro de destruição foi ainda maior. A explosão na Rodoban foi tão forte que abalou as estruturas de casas vizinhas. Vários imóveis tiveram os vidros quebrados e alguns perderam até o telhado. Postes foram arrancados e carros de moradores, queimados. Um homem, de 21 anos, foi atingido por estilhaços de um tiro e um funcionário da empresa também ficou ferido.
Atuação
Para o major José Renato Silva, da 5ª Região da PM, a estratégia usada pelos bandidos impediu a ação imediata da polícia. “Eles se posicionaram em pontos estratégicos e cortaram a luz do bairro. Como iríamos entrar no escuro sabendo que eles estavam fortemente armados?”. Dentre o arsenal utilizado pela quadrilha, pistolas .50, de uso exclusivo das Forças Armadas.
Prefeito da cidade, Paulo Piau acredita que o crime revelou a necessidade de reforço no efetivo. “Temos 400 policiais nos dois batalhões, o que é pouco para uma cidade desse porte”.
A PM não confirma o contingente, mas negou que o número de servidores tenha prejudicado a atuação da corporação. “Não são casos pontuais como esse que apontam para a necessidade de mais homens. Não houve uma reação imediata para evitar o confronto, que poderia colocar a população em risco”, explica o tenente Cristiano Araújo.PM/DivulgaçãoBandidos atiraram em transformadores para deixar a região no escuro
Moradores acreditam que bando vigiava rotina com drones
Após o ataque à empresa Rodoban, o clima era de medo em Uberaba. A rotina da cidade foi totalmente alterada. Escolas cancelaram as aulas do turno da manhã, o transporte coletivo começou a rodar mais tarde do que o habitual e vários estabelecimentos ficaram fechados.
Segundo a Secretaria de Estado de Educação (SEE), as 40 escolas da rede em funcionamento no município suspenderam as atividades por questão de segurança. Dentre as instituições de ensino municipais, pelo menos cinco paralisaram as aulas. Nos grupos de WhatsApp circulavam pedidos para que as pessoas ficassem em casa. Helicópteros e carros da polícia patrulhavam o município. “Cada hora chegava uma informação diferente. Muita gente não saiu na rua”, conta uma moradora que pediu para não ser identificada.
“Quase duas horas seguidas de tiros causou trauma não só em quem mora no bairro porque os estouros foram ouvidos de longe. A cidade está acuada com tamanha violência”, disse o prefeito Paulo Piau.
Momentos de pânico
Entre os moradores, perplexidade. “Nos meus 64 anos eu nunca tinha visto nada igual. Eles montaram uma logística, observaram aqui por muito tempo. Há dias estávamos vendo um drone rondando o bairro”, conta o morador Joaquim Leocádio da Silva.
Pneus foram queimados na porta da casa dele e a rua cercada de correntes. “Eles agiram muito silenciosamente. Quando a luz apagou, achei que era um pico comum. Mas quando olhei na janela, vi movimento de pessoas armadas. Começaram os tiros e foram horas assim”, conta.
Sem respostas quanto ao paradeiro e origem da quadrilha, os moradores começam a criar as próprias versões. Há quem acredite que tenha sido integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC). Apesar de o major José Renato da Silva confirmar um braço da facção paulista na cidade, o militar acha cedo para fazer qualquer ligação da organização criminosa com o ataque de ontem.
Nas buscas pelos ladrões, a PM local recebeu apoio de policiais de outras 30 cidades do entorno. A zona rural foi vasculhada. Um sítio onde supostamente os bandidos teriam passado a noite anterior foi periciado, mas nada encontrado. Polícias Civil e Federal deram apoio no cerco. Porém, nenhuma das duas corporações se manifestou sobre o crime.Editoria de Arte