Demora na busca por tratamento pode piorar condição de deficiente auditivo

Marília Mesquita
11/10/2019 às 20:47.
Atualizado em 05/09/2021 às 22:11
 (Maurício Vieira)

(Maurício Vieira)

Vista por muitos como uma condição incapacitante, a deficiência auditiva chega a não ser aceita até mesmo por quem sofre da limitação. A demora na procura por ajuda médica, porém, pode agravar a situação e até levar a pessoa à surdez total.

A rejeição à perda da capacidade de ouvir sons ganhou repercussão após o ator Pedro Neschling revelar, nas redes sociais, ser parcialmente surdo. Após muito tempo sem querer encarar a realidade, declarou o artista no Instagram, ele passou a usar o aparelho há quatro anos.

A recusa em usar o equipamento, muitas vezes, é justificada pela questão estética. Foi o caso da gerente de banco Nayara Souza, de 32 anos, que descobriu a limitação aos 11.

A decisão em usar o aparelho precisou ser tomada quando ela encontrou dificuldades em conseguir um emprego. “Aí vi que melhorei a dicção e reaprendi a ouvir. Comecei a fazer parte de um mundo que eu não conhecia”, destaca a mulher, afirmando ter ganhado qualidade de vida.

Bem-estar

Aceitar a deficiência é, inclusive, o primeiro passo para o bem-estar do próprio paciente, observam especialistas. Além disso, quanto mais cedo ele iniciar o tratamento, melhores os resultados.

Membro da diretoria da Associação Mineira de Otorrinolaringologia, Marcelo Sousa garante ser possível desenvolver habilidades sociais, de aprendizagem e no trabalho, independentemente da perda auditiva. “Há adaptação. Além disso, na maioria dos casos, a fala pode ser induzida”, frisa.

O médico ressalta que existem pacientes com uma resposta tão positiva às intervenções que, mesmo com a audição extremamente prejudicada, e, normalmente, sem conseguir compreender discursos em tom natural (surdez profunda), passam a conversar ao telefone. 

“O bom resultado depende da causa do problema, do tempo em que demorou para buscar o recurso e do empenho para estimular a audição”, afirma.

Alternativas

O aparelho é uma das possibilidades para que a pessoa passe a ouvir. O tratamento também pode incluir terapias medicamentosas e fonoaudiológicas, cirurgias e implantes. 

Há quem, de acordo com a professora de fonoaudiologia Luciana Macedo, da UFMG, não se adapte ao equipamento auditivo nem queira se submeter a um procedimento cirúrgico. “A comunicação somente em Libras, então, é uma opção que deve ser respeitada”.

Palavra do EspecialistaA perda auditiva se manifesta de formas diferentes durante as fases da vida. O importante é que o diagnóstico seja precoce, para restabelecer a capacidade de ouvir. A surdez congênita pode ser identificada a partir do teste da orelhinha, ofertado pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Em crianças, geralmente, o problema decorre de infecções “silenciosas” e são os familiares que devem observar o quadro. A poluição sonora dos grandes centros, somada ao uso constante de fone de ouvido, está aumentando os registros em jovens e adultos. Por fim, o envelhecimento provoca surdez natural, muitas vezes negada por idosos. Em todos os casos, medicamentos, cirurgias, aparelhos auditivos e implantes são tratamentos que restabelecem à audição e melhoram a qualidade de vida dos pacientes.Marconi TeixeiraEspecialista em Otologia e vice-presidente da Associação Mineira de Otorrinolaringologia


Pacientes encontram dificuldades em várias áreas

Um a cada 20 mineiros tem redução ou ausência da capacidade de ouvir, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A população nacional de surdos ultrapassa 10 milhões de pessoas. É por isso que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é a segunda mais falada no território e, em 2002, foi oficializada, tornando a nação bilíngue.

Por outro lado, a inserção dos gestos e movimentos manuais em estabelecimentos públicos ainda não está de acordo com a realidade. Coordenadora do Setor Social da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis-MG), Laís Drumond diz que agências bancárias, fóruns, hospitais e escolas, em regra, não possuem intérpretes. “Falta acessibilidade”, frisa. 

O designer e desenvolvedor de web Igor Rodrigues, de 36 anos, diz que a dificuldade também está no lazer. “Peças teatrais sem tradutores e filmes dublados são grandes empecilhos”. O rapaz tem surdez profunda e não consegue ouvir abaixo de 85 decibéis, apesar de entender falas por leitura labial. 

A condição é semelhante à de Célio Castro, de 45 anos. Assistente da Associação de Surdos de Minas Gerais (ASMG), ele garante que é a falta de inclusão que transforma a limitação em uma deficiência. “A comunidade surda tem a própria identidade e compreende o problema apenas como uma característica física”, observa. No entanto, ele explica que a negação de direitos e a ausência de igualdade os tornam “diferentes”.

Tradutores

Além da falta de acessibilidade, existem poucos tradutores da linguagem de sinais. Membro da diretoria do Sindicato Nacional dos Tradutores (Sintra), Paloma Bueno conta que não há estimativa da quantidade de profissionais, mas garante ser muito abaixo da ideal. “Cidades do interior não têm nem o curso para a prática”, afirma. 
Surdos e ouvintes conseguem aprender Libras em um período de três a 24 meses. A fluência é adquirida em aproximadamente quatro anos.Editoria de Arte

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