Eu sinceramente queria entender o que passa pelas cabeças pensantes da indústria automobilística quando decidem suas estratégias e o que farão em termos de opções e lançamentos. Nem é preciso dizer que o processo de produção de um veículo é demorado, complicado e caro, desde os primeiros esboços até que as linhas de montagem sejam capazes de liberá-los em escala para as concessionárias, e dessas para o consumidor. Algo que continua assim mesmo com as chamadas plataformas modulares, que servem como base comum para vários modelos.
A questão é que muitas vezes as próprias fábricas passam a impressão de que não estão tão interessadas no sucesso de um determinado modelo. Passam por essa trabalheira toda (e não pense que importar pronto de outro lugar é tão mais simples) e não fazem grande questão de badalar sua opção, destacar seus atributos. Está ali e pronto. Quase que há uma torcida para que as vendas não decolem, fiquem dentro de um certo patamar. E o que se ouve como justificativa nos bastidores beira o absurdo. “Ah, mas se ele vender muito vai tirar mercado do nosso outro carro X”; ou “a linha de produção não comporta um aumento tão grande”, talvez ainda “nossa prioridade agora está em outro segmento”.
Mas, como o consumidor é “chato” e tem todo direito de ser, ele se apaixona por aquele determinado modelo, investe, fica satisfeito com a escolha mas sofre com a desvalorização. Nas revendas de seminovos cria-se uma “lenda urbana” de que custa menos porque não vende. Só que não vende não porque é ruim, mas porque a fábrica não insiste.
Quer um bom exemplo de um patinho feio que virou cisne? O Polo, da Volkswagen. Quando chegou por aqui, ficava no canto das revendedoras, quase escondido, já que a ordem era vender Gol (e Voyage). Talvez se penitenciando do erro, mais recentemente os alemães apostaram numa campanha publicitária que mostrava como o hatch brasileiro era o mesmo oferecido na Alemanha, na Finlândia ou na Rússia, e merecia ser levado em conta no processo de escolha.
Isso antes da atual geração, que marcou uma virada completa. Dessa vez, a turma do “Carro do Povo” começou a fazer barulho tão logo a novidade começou a ser mostrada no resto do mundo. Sempre deixando claro que ele seria produzido aqui e marcaria novos tempos. Não demorou e a própria empresa preferiu confirmar que ele teria uma versão sedã, o Virtus, desenvolvida com os mercados emergentes em mente.
O resto, embora recente, já é história. O lançamento da dupla mereceu todo o destaque possível e, como a embalagem e o conteúdo têm qualidade e caíram no gosto do mercado, vendem como água.
Mataram Gol e Voyage como se temeu em outros tempos? De forma nenhuma. A dupla parece ter retomado fôlego com as mudanças mais recentes, voltou a aparecer entre os mais emplacados e, mais do que isso, ganhará também nova geração, provavelmente a partir de 2020. Há espaço para todos, mesmo porque preços e conteúdo são diferentes.
Mas ainda existem outros casos de quem prefere não ter fé no próprio taco, ao menos em determinados modelos. Eles poderiam ser mais baratos, mais badalados e mais vendidos e não são. “Quer comprar? Está aí, custa tanto, e ponto final. Mas quer comprar mesmo? Tem certeza que não quer aquele outro ali que inclusive é mais barato?” Pode parecer maluquice, mas a conversa imaginária existe.
Como deveria existir, sobre rodas, a lógica ideal do consumo: o que é bom, acessível e agrada vende, o que não merece espaço no mercado fica de lado e “morre de inanição” por... decisão do consumidor. Enquanto isso, sigamos vendo casos de patinhos feios que se transformam em cisnes...