(Flávio Tavares)
Sentados no sofá, entre uma pergunta e outra sobre o cartão de vacina, o desabafo de um problema particular e a alegria ao contar as novidades da escola e do trabalho. Muitas são as realidades presenciadas diariamente pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Os profissionais, considerados porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), fazem parte da vida das pessoas, sendo, não raro, amigos de longa data.
As relações são construídas em meio à visita domiciliar, que ocorre uma vez por mês. O carinho de ambas as partes dá força a esse serviço, tema da primeira reportagem da série sobre os 30 anos do SUS, celebrados em 2018. Nesta semana, o Hoje em Dia vai mostrar que, apesar de dificuldades crônicas, o sistema é considerado modelo mundial de política pública.
Equipes
A Estratégia de Saúde da Família (ESF) foi criada em 1994. O programa visa a promover o bem-estar por meio de atendimento descentralizado, com os profissionais próximos aos moradores. Atualmente, Minas conta com 5.486 equipes, salto de 45% se comparado ao serviço prestado há uma década.
Em BH, 568 grupos prestam a atenção básica. No bairro Santa Cruz, região Nordeste, a equipe do Centro de Saúde Gentil Gomes atende os aposentados Inácio Divino de Freitas, de 81, e Mercês Guilherme Neves, de 84, há pelo menos 13 anos.
“A família é muito participativa. Eu cuido deles, dos filhos e dos netos. Todos nós ganhamos com esse serviço, mas principalmente os pacientes”, explica a médica Aline Franco, responsável pela equipe.
Os moradores celebram a visita dos agentes. “Gosto do atendimento, elas são muito atenciosas”, diz Inácio Divino. “Minha família é toda atendida pela equipe. As agentes são carinhosas. Nos orientam sobre a melhor forma de cuidar dos meus avós, como medir a pressão e verificam a dieta”, conta o cuidador Gian Carlo Neves da Silva, de 22, neto do casal e também usuário do posto.
O socorro, no entanto, não se restringe aos tratamentos. “Às vezes, ouço histórias de depressão e morte. Então, a gente leva uma palavra, brinca, dá conselho. São muitas realidades”, relata a agente comunitária Goretti Aparecida Leite dos Reis.
Relacionamento
O contanto frequente cria laços que justificam o trabalho, como detalha a agente Fernanda Menezes. Ela, que atua no bairro Santa Maria, na região Oeste, diz já se sentir membro das famílias. “Como moro por aqui, sou ainda mais próxima deles. Quando encontro alguém na rua, logo pergunto se a pessoa já foi ao posto fazer um exame”.
Autor do livro “O que é o SUS”, o professor Jairnilson Silva Paim sustenta que o programa é um importante suporte do sistema. “A força principal de promoção da saúde no Brasil são as equipes da família. Além de ser uma porta de entrada, elas divulgam o serviço. Sem dúvida, este foi um dos principais passos dados pelo Brasil nos últimos 30 anos”, afirma.
Confira vídeo:
Antes, só trabalhadores tinham atendimentos assegurados
Criado a partir da Constituição de 1988, que também completa 30 anos, o SUS atende a mais de 190 milhões de brasileiros por ano. O serviço é oferecido, inclusive, a estrangeiros. Mas nem sempre essa foi a realidade.
De acordo com o Ministério da Saúde, até a implantação do sistema, apenas 30 milhões de pessoas tinham direito ao acompanhamento público. Por lei, só quem contribuía para o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) deveria ser amparado pelo Estado.
Em Belo Horizonte, o principal atendimento era ofertado na Santa Casa de Misericórdia, primeiro hospital filantrópico erguido na capital. Na época, principalmente em cidades da região metropolitana, mortes por doenças como diarreia e infecções alimentares eram comuns.
Segundo a professora do curso de medicina da UFMG, Estela Vieira, que também é especialista em saúde pública, sem a universalização da rede, a população era dependente de um sistema desigual.
“Imagine só que hoje, mesmo com todas as deficiências da rede pública, alguém pode ir a uma unidade de saúde ou UPA (Unidade de Pronto-Atendimento), que será atendido. Antes, era normal a pessoa iniciar um tratamento caseiro para enfermidades graves ou mesmo morrer por falta de capacidade de atendimento nos hospitais filantrópicos”.
A docente conta que o maior exemplo era a realização de um parto, muitas vezes feito fora do ambiente hospitalar.
É o que aconteceu na família da dona de casa Helena Aparecida da Silva, de 78 anos, moradora de Betim, na Grande BH. Dos seis filhos que teve, um faleceu de diarreia, antes de completar 1 ano e só o mais novo, de 40, nasceu em hospital público.
“Eu era desempregada e meu marido trabalhava na enxada. A gente não tinha direito de ir ao hospital. Não dá para comparar o que era uma unidade de saúde antes e o que é hoje. A gente demorava meses para conseguir consultar na Santa Casa”, lembra.Editoria de Arte
Clique para ampliar
Leia mais: