Nos últimos dias, milhares de pessoas têm doado dinheiro para que condenados na Ação Penal 470 – o Processo do Mensalão – possam pagar as multas impostas pelo Supremo Tribunal Federal. O ministro Gilmar Mendes, do STF, em carta ao senador Eduardo Suplicy, do PT paulista, afirma que a doação “sabota e ridiculariza” o cumprimento da pena, “fazendo aumentar a sensação de impunidade que tanto prejudica a paz social no país”. Divulgada na última sexta-feira, a correspondência de Gilmar é uma resposta à carta enviada a ele por Suplicy no dia 5 deste mês. O senador explicou ao ministro do STF que as campanhas de doação foram organizadas por familiares e militantes e não pelo Partido dos Trabalhadores. Disse que as doações foram devidamente identificadas e serão registradas no Imposto de Renda dos beneficiários, o que também deve ser feito pelos doadores. Declarou ter sido um dos doadores e que as doações são legais. Tanto não existe lei que as proíba, que o deputado João Campos, do PSDB goiano, apresentou há três dias à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados um projeto de lei para proibir que condenados por crime paguem com doações as multas impostas pela Justiça. Antes de virar lei, o texto deverá ser aprovado pelos plenários da Câmara e do Senado, depois de passar pelas comissões, e ser sancionado pela presidente da República. Por ser política e juridicamente polêmico, será um processo demorado. Se o projeto do deputado virasse lei sem mudanças no texto, seria proibida, no pagamento da multa, “a utilização de recursos, bens ou direitos provenientes de terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, personalizadas ou não, entidades sindicais, associações, partidos políticos ou fundações, públicas ou privadas, sejam eles advindos de doação ou qualquer outra forma de ato ou negócio jurídico”. Na opinião de João Campos, sem isso, “a finalidade repressiva da pena se mostraria inútil ou seriamente prejudicada”. Na carta a Suplicy, Gilmar Mendes interpreta um inciso do art. 5º da Constituição. Ele dispõe que nenhuma pena passará da pessoa do condenado. Desse modo, afirma o ministro, “também a pena de multa é intransferível e restrita aos condenados”. No meio jurídico, é possível que surjam interpretações substancialmente antagônicas. No mesmo dia da divulgação de sua correspondência, uma “carta aberta” a Gilmar, assinada por um assistente de juiz de Direito do Paraná, foi publicada por blogs na internet. Em relação à pena de multa, diz a carta, “absolutamente nada assegura que ela será paga pela pessoa exclusiva do condenado”. O tema está a merecer amplo debate. Uma questão que desde logo se apresenta: é desejável ter uma lei destinada a suprimir o tão escasso sentimento de solidariedade social e política neste país?