Descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal: o STF legislou?

10/07/2024 às 18:52.
Atualizado em 10/07/2024 às 19:36

Vinícius da Costa Gomes*

“Extra! Extra! A descriminalização do porte de maconha começa a valer nesta sexta!”. Em um filme começaríamos assim o assunto, mas, como não estamos, vimos essas manchetes nas timelines dos jornais . Após as manchetes, segue o debate nas redes, ou o eco dele: Ditadura do Judiciário! O STF legislou! O professor de Constitucional em terras brasileiras não tem paz! Mas, “bora lá”!

A Constituição estabelece um sistema de freios e contrapesos. Concede-se autonomia a cada Poder, mas cria-se mecanismos de um Poder influenciar o outro para evitar o abuso de poder (“poder limitando poder”). Assim, cabe ao Legislativo inovar no ordenamento jurídico (criar leis), mas, há um freio a essa atuação realizado pelo Judiciário: o controle de constitucionalidade. Os tribunais analisam se a lei é compatível com a Constituição.

A decisão pela descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal aconteceu exatamente dentro desse contexto. O STF foi questionado se a lei que criminalizava essa conduta era compatível ou não com a Constituição. Ou seja, não há invasão de competência. O STF fez o que lhe é determinado pela Constituição. Não há ditadura do Judiciário ou STF legislando, mas sim o exercício da função constitucional de limitar o poder do Legislativo.

A corte decidiu dessa forma utilizando o que a ciência do Direito já trata há muito tempo e de forma bem objetiva. O Direito Penal tem um princípio que se chama lesividade. Aos não juristas, os princípios são o “Norte” para interpretação do Direito. O intérprete tem que analisar todos os casos respeitando esse “Norte”. O princípio da lesividade afirma que uma conduta só pode ser criminalizada se ocorre lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico protegido (1).

A lesividade tem as funções de proibir a incriminação: 1) de uma atitude interna (ex: pensamento); 2) de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor (ex: autolesão); 3) de estados ou condições existenciais (ex: ser judeu); 4) condutas “desviadas” que não afetam qualquer bem jurídico (ex: incesto) (2).

O STF analisou o crime de porte de drogas para consumo pessoal e verificou se ele estava compatível com a Constituição. No caso, a lesividade é um princípio que se origina do direito à privacidade (que vem da liberdade ou autodeterminação). Basicamente, a lesividade é um mecanismo de controle do Judiciário ao Legislativo, já que ela é um mecanismo de orientação e de limite ao legislador.

A tarefa do professor em terras brasileiras termina (hoje!): Não, o STF não invadiu a competência do Legislador, ele não “fez lei”. A corte verificou se a lei estava compatível com a Constituição por meio da análise do princípio da lesividade. Ou seja, o STF verificou se o legislador cumpriu esse princípio que deve ser obrigatoriamente seguido por ele ao inovar no ordenamento jurídico! 

(1) BITENCOURT, Cezar Roberto. Parte geral. – Coleção Tratado de direito penal volume 1 - 26. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020; p.145

(2) GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. - 17. ed. Rio de Janeiro : lmpetus, 2015; p.101 a 105

*Mestre em Direito. Especialista em Constitucional, Criminologia e Educação. Professor da Nova Faculdade, Promove, Kennedy e Universidade Salgado Filho. Assessor da Ouvidoria de Prevenção e Combate à Corrupção. Membro da Comissão de Educação Jurídica da OAB. Professor online nas horas vagas: @profviniciusgomes (instagram, YouTube, Facebook, TikTok e X).

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