O sargento Fábio Melo, encarregado com outro PM da custódia no Hospital Municipal Souza Aguiar do traficante Nicolas Labre Pereira de Jesus, o Fat Family, desabafou na manhã de domingo (19) ao relatar os momentos de terror vividos no local. "Graças a Deus sai ileso e ajudei meu amigo, que trabalha comigo, mas a gente está desprotegido. Eu estou, vocês estão, toda a população está. Enquanto estiver com essa política, infelizmente a gente está na m... Desculpe o linguajar, mas é isso o que está acontecendo", disse Melo a jornalistas na portaria do hospital.
O sargento contou que os invasores fizeram uma recepcionista refém e a obrigaram a subir até a enfermaria onde estava o traficante, para distrair a segurança, mas ela não foi e implorou para ser solta. "Estava na frente da porta da enfermaria. Como não tem lugar para sentar, meu colega estava na escada, na frente. Por isso consegui vê-los chegando", disse o PM.
Segundo ele, "eram uns seis (bandidos), de fuzil e pistola". "Vieram gritando 'perdeu, perdeu', apontando a arma. A gente entrou na escada e ficou encurralado. Lá debaixo, eles miravam para nós enquanto outro grupo arrebentou a algema."
Após o resgate, Melo seguiu para o térreo, onde encontrou o policial de folga e um homem feridos. "Um enfermeiro se assustou e foi baleado. Foram três feridos e infelizmente um morreu." Embora Melo tenha mencionado apenas mais um colega na custódia, a PM sustentou que havia cinco policiais na escolta durante a madrugada.
Em nota, o secretário da Segurança, José Mariano Beltrame, informou que pedirá ao governador em exercício do Rio, Francisco Dornelles, que restrinja a internação de presos no Estado ao hospital penitenciário. Mais cedo, Dornelles havia cobrado de Beltrame "rigor nas investigações".
Morte
No tiroteio entre bandidos e um policial militar, Ronaldo Luiz Marriel de Souza, que buscava atendimento, foi baleado e morreu. Pelo menos 25 homens armados de fuzis, pistolas e explosivos invadiram o Hospital Municipal Souza Aguiar para resgatar o traficante. O PM e um funcionário foram atingidos e estão internados.
Os invasores chegaram ao hospital às 3h15 e se dividiram: um grupo ficou no pátio na frente da emergência e outro subiu para o Setor de Ortopedia, pelas escadas. Dois PMs que faziam a escolta do traficante Nicolas Labre Pereira de Jesus, o Fat Family, de 28 anos, foram rendidos. Os bandidos quebraram a algema que prendia o criminoso à cama com um alicate. Na enfermaria, havia mais três pacientes, que não têm envolvimento criminal.
Olimpíada
Maior hospital público do Rio, o Souza Aguiar foi escolhido como referência para emergências na zona norte e no centro durante a Olimpíada.
Os hospitais de referência são indicados para os espectadores das competições. Em abril, o auditório do Souza Aguiar foi usado pela prefeitura para apresentar a profissionais de saúde e representantes de 21 consulados o plano operacional da Secretaria Municipal da Saúde para os Jogos.
CV
Apontado pela polícia como chefe do tráfico na Favela Santo Amaro, no Catete, zona sul, Fat Family, ao ser preso há uma semana, foi ferido no rosto em tiroteio. Ele é irmão de Marco Antônio Pereira Firmino da Silva, o My Thor, preso na Penitenciária Federal de Catanduvas, no Paraná, e um dos líderes do Comando Vermelho (CV).
A ação criminosa era de conhecimento da cúpula da Secretaria da Segurança desde quinta-feira (16) quando investigadores da Delegacia de Combate às Drogas captaram em interceptações telefônicas o plano. Segundo a Polícia Civil, a pasta e a PM foram avisadas. A PM informou que não o transferiu porque o hospital alegou que o traficante seria operado nesta segunda-feira (20). A Secretaria Municipal de Saúde nega. Informou à noite que jamais foi pedida a transferência.
No Souza Aguiar, o tiroteio aconteceu no estacionamento, quando o PM Fábio Ferreira da Silva, de folga, socorria o amigo Ronaldo de Souza, acidentado em uma festa. Silva e os bandidos trocaram tiros. Souza foi atingido no tórax e o PM, em um ombro. Na troca de tiros, foi baleado o técnico em enfermagem Júlio Cesar Basílio. Os bandidos também fizeram disparos dentro do hospital.
Ação
Testemunhas e policiais disseram que os criminosos usavam toucas ninjas e chegaram ao hospital em quatro motocicletas e cinco carros. Eles renderam o vendedor de uma barraca de doces, conhecido como Índio, e uma recepcionista, levada ao sexto andar.
"Índio estava muito nervoso. Quando cheguei, ele só me entregou a barraquinha e foi para a delegacia. Não é a primeira vez que resgatam bandido em hospital. Botam bandido perigoso internado com inocente. Bandido tem mais valor que trabalhador", disse Ronaldo Batista, de 54 anos, que há dez divide a barraca de doces com Índio.
O técnico em eletricidade Jorge Ferreira, de 59 anos, que estava de madrugada no hospital para acompanhar um amigo acidentado, disse que, ao perceber a chegada da quadrilha, se escondeu na emergência. "Eles diziam: 'viemos pegar um parceiro'. Chegaram com um objetivo definido", contou.
Segundo a polícia, a custódia do traficante era feita por quatro PMs, mais um quinto no pátio, já como reforço, pois o normal são no máximo dois agentes por preso em hospital. Em nota, a PM informou que a enfermaria foi isolada. No local, havia várias cápsulas de balas, recolhidas para perícia. No pátio, a polícia encontrou um carro roubado. Mais tarde, o bando comemorou o resgate, mostra áudio que circulou pelas redes sociais, divulgado pelo Fantástico, da Rede Globo: "Trouxemos, mané, trouxemos o mano, p... O mano tá na rua com nóis. Nós fomos lá e buscamos".
Honra
Coordenador das Delegacias de Homicídio do Rio, Rivaldo Barbosa disse que os policiais responsáveis pela escolta seguiram o protocolo para ocorrências em hospitais, ao não reagir. "Se reagissem, um mal maior poderia acontecer", afirmou Barbosa, para quem a apuração da "ação ousada e covarde" é "questão de honra".
Os investigadores pretendem interrogar parentes e um advogado que visitaram o traficante. A suspeita é de que tenham indicado o local exato onde ele estava. "O que causou perplexidade é que os traficantes que aqui estiveram sabiam exatamente onde ele estava."
O prefeito Eduardo Paes (PMDB) criticou a falta de policiamento e considerou a invasão "assustadora e inaceitável". "Não dá. Temos as unidades de saúde funcionando e a obrigação de atender todos os doentes, criminosos ou não. Mas há limites. Precisamos das forças de segurança ajudando. Há uma certa perda de controle da situação. Tem de ser mais firme."
O coronel Luiz Henrique Pires, subchefe operacional da PM, disse que não há como "botar 20, 30 homens a cada informe". Segundo ele, Fat Família "não poderia estar" no hospital.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.