Cultura e beleza

Caminho dos Santos Mártires do Brasil: nova proposta de turismo religioso no Rio Grande do Norte

Cláudio Lacerda Oliva
turismologoali@hojeemdia.com.br
07/03/2023 às 16:13.
Atualizado em 07/03/2023 às 16:52
Barra do Pirangi, no Rio Grande do Norte (Denápoly Rodrigues)

Barra do Pirangi, no Rio Grande do Norte (Denápoly Rodrigues)

O Caminho dos Mártires é um roteiro turístico novo que tem ganhado força no estado do Rio Grande do Norte. O roteiro proporciona aos visitantes momentos de reflexão com Deus, e ao mesmo tempo um importante resgate da cultura e da história. Inicialmente, o programa turístico implementado há apenas um ano e meio, desponta em seis cidades, a maioria delas na região do litoral potiguar. Canguaretama, Nísia Floresta, São Gonçalo do Amarante, Natal e Parnamirim, são alguns dos locais contemplados.

O idealizador do projeto, Sidnésio Moura, turismólogo e estudioso das causas do catolicismo, afirma que esse roteiro pode ressignificar a  proposta do turismo do estado. Muito mais que coqueiros, sol, praias e lagoas, que também estão inseridas na proposta inicial, o acontecimento histórico-religioso é que serve de pano de fundo para um produto mais
completo. O Caminho dos Santos Mártires não é apenas dirigido a religiosos. O roteiro oferece uma visão histórica dos acontecimentos de parte da formação do Brasil e a importância do Nordeste brasileiro, tendo principalmente os estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do
Norte como os principais cenários da disputa pela conquista do território brasileiro, tanto econômica, como social, passando também pela conquista religiosa.

Como foram os morticínios dos católicos

No ano de 1645 os holandeses invadiram o estado do Rio Grande do Norte, a partir de Pernambuco. E aí aconteceram os dois massacres. O primeiro ocorreu em 16 de julho de 1645, durante a celebração da Santa Missa dominical, na Capela de Nossa Senhora das Candeias, no Engenho Cunhaú, no atual município de Canguaretama, litoral sul do estado. De acordo com os relatos históricos, após o padre André de Soveral realizar a elevação da Hóstia e do cálice, erguendo o Corpo do Senhor para adoração dos presentes, Jacó Rabe, alemão a serviço dos holandeses, trancou as portas da capela e com a tropa de indígenas Tapuias e soldados holandeses ordenou a matança de todos os fiéis.

Em Uruaçu, o segundo massacre aconteceu três meses depois, no dia 3 de outubro - hoje parte do município de São Gonçalo do Amarante. Com as notícias sobre o ocorrido em Cunhaú, alguns católicos buscaram refúgio na Fortaleza dos Reis Magos, uma fortificação construída no pequeno povoado de Potengi, que ficava próximo da fortaleza, mas foram atacados pelas tropas de Rabe.

Eles resistiram, mas acabaram se rendendo e foram massacrados às margens do rio Uruaçu. Entre os mortos estava o padre Ambrósio Francisco Ferro e o camponês Mateus Moreira. De acordo com os  registros, os invasores holandeses ofereceram aos fiéis católicos a opção de conversão ao calvinismo, mas eles escolheram o martírio e o acolheram entre orações e exaltação a Deus.

Já Mateus Moreira, que teve seu coração arrancado pelas costas, antes de sua morte ele teria gritado fervorosamente: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento”. Ele acaba aceitando voluntariamente o martírio por amor a Cristo. Os assassinos agiam em nome de um governo que hostilizava abertamente a Igreja Católica, a religião do governo português do qual eram adversários. Foram dezenas de mortos. Nos dois episódios, estima-se aproximadamente 82 fiéis.

Canguaretama (Prefeitura de Canguaretama/Divulgação)

Canguaretama (Prefeitura de Canguaretama/Divulgação)

Na Igreja de Nossa Senhora da Apresentação, o padre Ambrósio, que foi o segundo pároco da igreja, quando soube da invasão holandesa, começou a esconder pertences para que os calvinistas ali não as queimassem. É claro que muitas coisas se perderam. Mas no ano de 1995, foi descoberta na reforma de Matriz Nossa Senhora da Apresentação, escondido na parede objetos da época, dentre eles um Ostensório, que atualmente é uma relíquia histórica relacionada aos santos mártires.

Papa Francisco canoniza os Santos Mártires

A cerimônia de canonização foi presidida pelo Papa Francisco na Praça São Pedro em 15 de outubro de 2017. Sua memória é celebrada pela Igreja no Brasil em 3 de outubro. Para incentivar e difundir a devoção aos nossos primeiros mártires, foi criado “O Caminho dos Santos Mártires do Brasil”, um percurso de fé inspirado também no Caminho de Santiago -
uma das mais conhecidas rotas de peregrinação do mundo.

O “Caminho dos Santos Mártires do Brasil” foi aberto recentemente. O primeiro tour foi realizado com guias de turismo e já vem despertando interesse. Sidnésio Moura conta já ter recebido ligações de Minas Gerais, Pernambuco, Paraíba, Paraná, e naturalmente do Rio Grande do Norte. “As pessoas estão querendo se encontrar com Deus, e é esse o diferencial do Caminho dos Mártires, é esse encontro com Deus”, garante o potiguar, especialmente neste período de pandemia em que tantas pessoas perderam algum ente querido.

O Turismo Religioso não pode negligenciar a espiritualidade, e a espiritualidade deste segmento é a evangelização. O Caminho pode ser feito a pé, de bicicleta, de moto, carro ou excursão. Independente da
modalidade escolhida pelo peregrino, o objetivo é “levar as pessoas a um pleno encontro com Deus, e acima de tudo um ato real de evangelização, de espiritualidade”.

A exemplo do Caminho de Santiago, o peregrino vai recebendo carimbos na credencial ao longo das etapas do percurso e no final do Caminho recebe o Certificado do Peregrino. 

Percurso de fé, história e cultura

Ao longo desse roteiro estão capelas, igrejas, catedrais, santuários, ruínas, mas também os atrativos de cada cidade. Em se tratando de Nordeste, não poderia faltar a visitação de locais únicos e exclusivos, como praias desertas, complexo de dunas móveis, onde há 27 lagoas, sem falar na beleza das dunas e praias, manguezais e passeios de barcos e outras modalidades.

O trajeto tem início no Engenho de Cunhaú, em Canguaretama, onde está a Capela de Nossa Senhora das Candeias - local do primeiro massacre - e o Santuário Chama do Amor. Ali, os peregrinos são acolhidos por  sacerdotes para conhecer um pouco mais da história dos Santos Mártires e receber uma bênção.

Barra do Cunhau (Prefeitura de Canguaretama/Divulgação)

Barra do Cunhau (Prefeitura de Canguaretama/Divulgação)

Na localidade, também é possível visitar a comunidade indígena Catu, da etnia Potiguara, originária do antigo aldeamento de Igramació, século XVIII. O percurso inclui depois o litoral de Nísia Floresta, onde está a Igreja Matriz Nossa Senhora do Ó, com 188 anos. Justamente na localidade que nasceu há quase 60 anos a Campanha da Fraternidade.

Outra atração são as ruínas da casa de São João Lostau, um dos companheiros do sacristão Mateus Moreira. Segundo relatos históricos, ele foi levado preso ao Forte dos Reis Magos e depois para Uruaçu, local onde ocorreu o segundo massacre e onde foi morto. Nesse local a agência de receptivo, Terra Molhada oferece um passeio ecológico de pouco mais de 3 horas, onde por canoa, os turistas rasgam as águas do rio Potengi e fazem uma caminhada entre resquícios da Mata Atlântica até chegar as ruínas centenárias, testemunho do que ocorreu na região.

De Nísia Floresta o percurso segue para a Via Sacra de Timbó e então para Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte. Em Natal, vale uma visita a antiga Catedral, a Matriz Nossa Senhora da Apresentação. A
primeira igreja de Natal foi fundada em 1599, onde no presbitério se pode ver preservado o local onde era o primeiro piso.

Ali, de fato, foi celebrada a primeira Missa em Natal, e o segundo pároco da Igreja Matriz Nossa Senhora da Apresentação foi o padre Ambrósio Francisco Ferro. Mateus Moreira – que ao ter seu coração arrancado exclamou “Louvado seja o Santíssimo Sacramento” - era sacristão da Matriz Nossa Senhora da Apresentação. Ele foi proclamado Padroeiro dos
Ministros Extraordinários da Sagrada Comunhão. 

Mas neste “caminho de evangelização”, Sidnésio conta que também foi incluída a outra atração que pode ser visitada em Natal, o Santuário Nossa Senhora de Fátima, onde está sendo construída a quarta réplica da Capela de Fátima, de Portugal. Da capela, a peregrinação segue para São Gonçalo do Amarante, já em Uruaçu, local do segundo massacre, ocorrido em outubro de 1645, e onde é possível conhecer toda a sua história. O retorno então para Natal, para a visita à Basílica do Mártires, no Bairro Nazaré. “Nesse Santuário – explicou Sidnésio - está a iconografia, a autêntica, verdadeira, a primeira iconografia” quando da beatificação dos Mártires por desejo de São João Paulo II, no ano 2000.

Estação Papary (Kássia Nascimento)

Estação Papary (Kássia Nascimento)

O que ver em Nísia Floresta

Nísia Floresta, antiga Papary, está inserida na região Metropolitana de Natal e no Polo Costa das Dunas. A cidade fica a 40 km de Natal. Por lá, atividades culturais, históricas e o turismo praiano se misturam. O município é repleto de belezas para todos os gostos, praias com piscinas naturais de águas cristalinas e lindas lagoas que brotam em meio a Mata Atlântica e dunas. 

Repleta de história e prédios remanescentes da época das invasões francesa e holandesa no estado, Nísia Floresta também oferece passeios e visitas a diversos patrimônios culturais. O atual nome da cidade é uma homenagem a uma de suas ilustres moradoras, a escritora homônima, Nísia Floresta, que foi uma das primeiras mulheres a ter artigos publicados em jornais no Brasil e ser reconhecida internacionalmente por seu trabalho.

Nascida como Dionísia Gonçalves Pinto, é considerada uma pioneira do feminismo no Brasil e foi provavelmente a primeira mulher a romper os limites entre os espaços públicos e privados publicando textos em jornais, na época em que a imprensa nacional ainda engatinhava. No interior pernambucano, Nísia publicou seus primeiros textos voltados para o público feminino, no jornal Espelho das Brasileiras. Criticava a diferença entre o ensino ministrado para meninos e meninas – para estas apenas as operações básicas da matemática, línguas e bordado eram destinadas.

Nísia também dirigiu um colégio para moças no Rio de Janeiro e escreveu livros em defesa dos direitos das mulheres, dos indígenas e dos escravizados. 

Baobá (Denápoly Rodrigues)

Baobá (Denápoly Rodrigues)

O centenário baobá

No centro da cidade existe o Baobá, uma gigantesca árvore de origem africana, cujo tronco tem mais de 10 metros de diâmetro. Essa árvore era rara no Brasil até os anos 80. Não havia mais que cinco árvores plantadas em todo país. É descrito em uma placa, fixada ao lado da árvore, que o baobá foi plantado por um cidadão chamado Manoel Júnior no ano de 1877.

No entanto, acredita-se que a árvore seja muito mais antiga do que informa a referida placa, conforme podemos constatar lendo mais profundamente sobre tal espécie, a qual necessita mais tempo de vida para ter o diâmetro e a altura atuais.

Igreja de Nossa Senhora do Ó (Kássia Nascimento)

Igreja de Nossa Senhora do Ó (Kássia Nascimento)

A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó

A Igreja de Nossa Senhora do Ó é a matriz da Paróquia, pertencente à Arquidiocese de Natal, localizada no centro da cidade. Teve sua construção iniciada em 1703, quando o povoado de Papary ganhava suas primeiras ruas, porém, a obra foi concluída após 52 anos, em 1755. Diz-se
que a santa apareceu misteriosamente boiando em um buraco que hoje existe dentro da igreja, mas que naquele tempo localizava-se ao ar livre, por não haver igreja ainda.

A água desse buraco é de um rio subterrâneo, localizado embaixo da  igreja. Já no distrito de Timbó, vale visitar a belíssima Capela de São Gonçalo, a Casa das Irmãs Fraternas, que foram importantes instrumentos de fé no município, transformando a cidade no berço da Campanha da Fraternidade, que nasceu na Comunidade de Timbó.

A Estação Papary

A Estação ferroviária de Papary é uma construção no estilo neoclássico, com arcos em estilo gótico. Foi construída por ingleses e inaugurada quando a cidade ainda se chamava Vila de Papary. Em 1948, a cidade passou a se chamar Nísia Floresta, mas a estação não teve o seu
nome alterado. O prédio é tombado pelo Patrimônio Histórico e atualmente abriga um restaurante que serve comidas típicas regionais.

Uma cidade de muitos rios

A cidade de Nísia Floresta está sob uma das maiores bacias hidrográficas do Estado, o que lhe favorece com a abundância em água. No território são encontradas diversas nascentes e importantes rios como o Rio Pirangi, Rio Trairi, Rio Ararai, Rio Despejo, Rio Boacica, Rio Pium e
tantos outros riachos que surgem na época das chuvas.

As lindas praias de Nísia Floresta Praias belas também não faltam em Nísia Floresta. Búzios e Pirangi do Sul são as que concentram o agito. Para quem prefere apenas contemplar a paisagem, uma das opções é a
linda Barra de Tabatinga cercada por falésias de onde é possível avistar golfinhos salteadores.

Uma praia mais recomendada para as famílias é a de Camurupim, que tem águas calmas, represadas por uma longa barreira de recifes. Em um trecho de praia, os recifes formam pequenas cachoeiras quando a maré começa a subir. Depois de Camurupim, a praia de Barreta é a opção para aqueles que preferem mais tranquilidade.

Lagoa de Arituba (Denápoly Rodrigues/Divulgação)

Lagoa de Arituba (Denápoly Rodrigues/Divulgação)

Lagoas para todos

Nísia Floresta é o destino das “águas": da água salgada do mar e da água doce de nascentes, rios e das mais de 27 lagoas encontradas em meio às dunas e Mata Atlântica. É possível desfrutar de revigorantes banhos de lagoas em águas calmas e límpidas. Nadar, se divertir com a família, remar num passeio de caiaque, passear nos pedalinhos ou simplesmente se deitar numa rede molhada e desfrutar da tranquilidade que elas oferecem. Dentre as lagoas mais famosas estão Arituba, Alcaçuz e a incrível Carcará.

A gastronomia farta

Nísia Floresta é conhecida também como “Terra do Camarão”, por sediar um dos maiores polos produtores desse crustáceo no Brasil. Bares, quiosques e restaurantes oferecem diversas combinações de pratos e petiscos preparados com essa iguaria, assim como tantos outros
frutos do mar como lagosta, ostra, polvo e peixes.

Canguaretama (Prefeitura de Canguaretama/Divulgação)

Canguaretama (Prefeitura de Canguaretama/Divulgação)

Canguaretama

Canguaretama significa vale das matas ou também terra dos canguás (“peixe de cabeça redonda”, no idioma tupi). A cidade está situada à 67km da capital Natal no Estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Atualmente, o camarão, o caranguejo, a ostra e o turismo dão uma nova perspectiva de desenvolvimento ao município, onde está sendo trabalhado a temática da
"Capital do Caranguejo"; tendo em vista possuir uma extensão de quase 20km de manguezal, que é o habitat da espécie e dos mariscos.

O artesanato é uma das formas mais espontâneas da expressão cultural canguaretamense. Em várias partes do município é possível encontrar uma produção artesanal diferenciada, feita com matérias-primas regionais e criada de acordo com a cultura e o modo de vida local. Alguns grupos reúnem diversos artesãos da região, disponibilizando espaço para confecção, exposição e venda dos produtos artesanais.

Canguaretama também possui um importante grupo de manifestação popular, reconhecido em 2020 como Patrimônio Cultural, Imaterial e Histórico do estado, a “Chegança de Barra de Cunhaú”. A Chegança é um teatro popular que representa o embate de mouros e cristãos na
Península Ibérica, através de cantos, danças, declamações e simulações de lutas, repassados através das gerações por seus participantes. As festividades fazem parte do ciclo natalino.

Canguaretama e seus atrativos

A Praia de Barra do Cunhaú oferece suas belezas naturais como uma Jacuzzi Natural formada no meio dos parrachos e as piscinas naturais arrodeadas de rochas, muito propícia para banho e bronze. A praia é regionalmente conhecida como "O Caribe do Nordeste": a única do
município, com manguezais e um polo produtor de camarões, caranguejo e Ostras em cativeiros.

Turismo Histórico e Religioso: O Mortuário do Cunhaú

O Mortuário do Cunhaú engloba a localidade dentro do antigo complexo do Engenho Cunhaú, onde ocorreu o massacre dos fiéis, canonizados em 2017 e tornando-se os santos mártires de Cunhaú. A pequena capela Nossa Senhora das Candeias, do século XVII, é o principal atrativo turístico, e marca o local do martírio. O Santuário “Chama do Amor” foi criado como suporte para celebração das festividades da canonização e peregrinação.

As celebrações da Festa dos Mártires de Cunhaú ocorrem em julho, e costumam durar cerca de 10 dias. Também importante é a Festa da Padroeira Nossa Senhora da Conceição, celebração que ocorre no início de dezembro.

O Engenho Cunhaú já foi o centro mais importante da Capitania do Rio Grande do Norte, durante o Brasil Colônia.

Mais informações: www.caminhosantosmartires.com.br

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