(Flávio Tavares)
Apesar de ter solicitado um estudo ainda em 2006 que acabou confirmando o potencial minerário de uma área que engloba parte do local soterrado pela lama da barragem que se rompeu em janeiro deste ano em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a Vale teria omitido essa informação de moradores que perderam seus imóveis, e também da própria Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), durante o acordo que foi firmado para a indenização dos atingidos. O estudo feito foi confirmado ao Hoje em Dia nesta segunda-feira (27) pela própria mineradora.
A reportagem teve acesso ao andamento do processo de pesquisa minerária, solicitado pela empresa à Agência Nacional de Mineração (ANM), em julho de 2006. Segundo o documento, o alvará de pequisa, com duração de três anos, só foi publicado pela entidade que fiscaliza a atividade no país em outubro de 2007 e os estudos da Vale na região tiveram início em janeiro de 2008. A área alvo do estudo possui 905,86 hectares, o que corresponde a cerca de 900 campos de futebol.
Em outubro de 2010, a empresa comunicou a ANM de que os levantamentos deram positivo para a presença de minério na área, entretanto, nove anos depois, no dia 9 de abril de 2019, já após o rompimento da barragem de Córrego do Feijão, que matou 243 pessoas e deixou outras 27 desaparecidas, a Vale pediu o sigilo das informações contidas na pesquisa. O pedido de sigilo aconteceu exatamente quatro dias após o Termo de Compromisso (TC) ser firmado entre os defensores públicos que atendem os moradores atingidos e a Vale.
Para Joceli Andreoli, membro da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o fato da mineradora ter omitido essa informação das vítimas, viola os direitos humanos da população de Brumadinho. "É um absurdo, pois esse acordo prevê a indenização e, em contrapartida, as pessoas dão à Vale a propriedade de sua terra. Agora está explicado o porquê. Nessa terra tem minério, isso levaria as indenizações a um valor muito maior e, dessa forma, a Vale terá a propriedade da terra sem a indenização devida. As famílias teriam direito à participação na compensação financeira", pontua.
Ainda de acordo com Andreoli, coisas como essa reforçam a suspeita de que crimes como este do rompimento da barragem podem acabar sendo "convenientes" para as empresas, que a exime de todo o processo para retirar e indenizar os moradores que viviam na área com potencial minerário. "Tudo é possível quando se trata de interesses econômicos acima da vida", diz.
"Quem já foi indenizado não será prejudicado", diz defensor público
A reportagem conversou ainda com o defensor público de 2ª instância Felipe Soledade, que participou do acordo firmado com a Vale e garantiu que, até na data do acordo, não existia qualquer informação sobre o potencial minerário da área atingida. "Caso isso seja realmente comprovado, o atingido poderá reivindicar o que é de seu direito em um novo processo. O acordo já previa que os danos não conhecidos poderiam ser incluídos posteriormente", garante.
Segundo ele, o TC previa que o terreno das vítimas seriam repassados à empresa pois seriam um gasto desnecessário para as vítimas. "Os imóveis já não servem para nada, não faz sentido a pessoa mantê-lo, pagando IPTU, impostos, sendo que não há como produzir nada ali. As pessoas querem o dinheiro para reconstruírem suas vidas", completou Soledade. "O mais importante é passa a tranquilidade para os atingidos, de que eles não vão sofrer prejuízo se já aceitaram o acordo", concluiu o defensor.
Vale garante que "jamais realizará atividades de exploração minerária" na região
Procurada pelo Hoje em Dia, a mineradora descartou a possibilidade de atividades minerárias na área atingida pelo rompimento que foi alvo do estudo, ressaltando que o pedido do estudo foi feito há 13 anos. "A Vale afirma que jamais realizará atividades de exploração minerária nas áreas de Brumadinho, próximas à mina do Córrego do Feijão. Após as ações de reparação, o objetivo da Vale é definir a destinação da área abrangida em conjunto com autoridades e moradores da região, podendo criar um corredor ecológico, dentre outras iniciativas", afirma.
Ainda segundo a empresa, o estudo foi feito por meio de três furos de sonda que culminaram "com a cubagem de um recurso total extremamente pequeno, de aproximadamente 430 mil toneladas somente". Esta quantidade de minério que estaria presente na área é avaliada em cerca de R$ 110 milhões, segundo cálculos feitos pela reportagem com o preço atual da tonelada do minério.
A Vale afirmou ainda que o estudo apresentado em 2010 ainda não foi analisado pela ANM. "Pela experiência de seus profissionais, a Vale acredita que a área será significativamente reduzida aos limites da região pesquisada", completa.
Na nota, a empresa justificou ainda o pedido de sigilo, alegando que, neste ano, a ANM emitiu uma resolução que tornou público o conteúdo dos processos que tramitam no órgão e, com isso, várias mineradoras teriam solicitado o sigilo, sendo que a Vale o fez para o conteúdo de todos os processos e não somente ao do estudo que envolvia Brumadinho. "O pedido foi motivado por uma questão de estratégia de negócio. Essa solicitação está em análise pela ANM. É importante frisar que o direito do dono do imóvel para acessar as informações dos processos minerários permanece intacto", afirma.
Por fim, a mineradora afirma que o TC firmado com a DPMG para indenização de danos materiais e morais, referente ao rompimento da barragem, "tem o objetivo de dar uma solução célere e justa para danos individuais. Como já foi informado, este TC não prejudica o objetivo de fazer um acordo coletivo, liderado pelas autoridades", conclui.