Vizinhança de usina no Rio sofre novamente com fuligem

Antonio Pita e Heloisa Aruth Sturm
01/11/2012 às 18:54.
Atualizado em 21/11/2021 às 17:48

Moradores do bairro de Santa Cruz, na zona oeste do Rio, foram novamente afetados por uma nuvem de grafite na tarde de quarta-feira (31). O fenômeno, conhecido como "chuva de prata", é resultado das atividades da Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), parceria entre a alemã ThyssenKrupp e a Vale, que possui uma usina instalada na região. A fuligem deixou marcas nos carros, nas ruas, e até no interior das casas.

O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) multou a empresa em R$ 10,5 milhões. Essa é a terceira vez em pouco mais de dois anos que o fenômeno ocorre. A CSA já havia sido multada em R$ 4,6 milhões, além de ter que pagar uma indenização de R$ 14 milhões, por ocorrências semelhantes registradas em agosto e dezembro de 2010. As multas nunca foram pagas, porque a indústria contesta os valores na Justiça. "Esse foi o terceiro cartão amarelo. Não haverá outro. Tem que respeitar a saúde das pessoas", disse o secretário estadual de meio ambiente, Carlos Minc, afirmando que a empresa pode ser embargada.

Moradores ouvidos pela reportagem relataram que os problemas com a fuligem haviam cessado há mais de um ano, mas voltaram a ser recorrentes nas últimas três semanas, no período noturno. A empresa nega que haja uma intensificação de sua produção durante a noite. "A gente vê à noite aquela nuvem de purpurina no céu. Aquele pó vem no olho e já começa a arder. E o pior é que entra em casa, no sofá, na cama, na cozinha. A gente até fica com medo de fazer comida", reclama Márcia Cristina, que vive no bairro há 26 anos.

A `chuva de prata' é caracterizada pela dispersão de partículas ultraleves de resíduo de ferro e grafite resultantes da produção de aço da siderúrgica. O rejeito poderia ser aproveitado comercialmente para produção de recapeamentos, mas tem valor de mercado menor e é considerado um subproduto. O reaproveitamento do material poderia ser feito ao longo da linha de produção, na chamada etapa X, mas o processo não é realizado na TKCSA. A empresa mantém uma rotina de umidificação permanente para evitar a dispersão do material, e atribui o incidente ao clima "excepcionalmente quente e sem chuva" e às fortes rajadas de vento registradas na última terça-feira.

As reclamações por problemas de saúde são constantes na região. A comerciante Marcela Dias França ficou em tratamento durante um ano em virtude de uma infecção no pulmão. "Sentia dores terríveis na costela e pensei que ia morrer. Hoje tenho alergias constantes, o nariz entupido, como as coisas e não sinto o gosto", reclama. "A indústria até ajudou quem estava desempregado, mas a que custo? Causou doença para muita gente, idoso, criança".

O diretor de sustentabilidade da TKCSA, Luiz Cláudio Castro, afirma que a taxa de incidência de problemas de saúde na população da área é idêntica à registrada antes da instalação da empresa, e atribui as doenças respiratórias a outros agentes poluidores, como o tráfego de veículos e as queimadas. "Nossos funcionários passam por exames médicos constantes e não há um quadro de agravamento de saúde. Nós trabalhamos em campo e teoricamente estamos mais expostos do que a comunidade", disse.

De acordo com Mariana Palagano, gerente de qualidade do ar do Inea, as emissões podem causar problemas dermatológicos, asmas, alergia e irritação nos olhos. Embora o produto não seja tóxico, Mariana afirma que a exposição permanente ao produto pode ser crítica. "É incômodo, e quem é sistematicamente exposto pode ter problemas". Esse é o caso da família de Domingas Mendes. Seus dois filhos, Gustavo, de 4 anos, e Vitória, 8, são levados com frequência à Unidade de Pronto Atendimento instalada no bairro. "Da última vez levei minha filha com sangramento nasal. Dava para ver a fuligem no sangue. E ainda dizem que não faz mal."
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