( Ricardo Barbosa/ALMG)
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), apresentou nesta quinta-feira (18), uma proposta para compensações referentes à Lei Kandir, com expectativa de arrecadação de R$ 3,7 bilhões para o Estado por ano, caso a União aceite a proposta. A Lei Kandir, legislação de 1996, isentou o pagamento de ICMS sobre a exportação de produtos primários e semielaborados. Desde então, as perdas estimadas de Minas somam R$ 135 bilhões, com prejuízos advindos principalmente da mineração.
O estudo foi elaborado pela Advocacia Geral do Estado (AGE) e apresentado ao presidente da Assembleia Legislativa, Agostinho Patrus (PV), ao procurador geral do Estado, Antônio Sérgio Tonet, e também a representantes do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e da Defensoria Pública do Estado.
A proposta será levada pelo governo de Minas à audiência de conciliação realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no próximo dia 5 de agosto, visando discutir a regulamentação da Lei Kandir.
Ainda em 2016, o STF decidiu que o Congresso deveria regulamentar a Lei Kandir no prazo de um ano, com projeções de ressarcimento aos estados, mas a União conseguiu estender esse período para mais 24 meses. Em fevereiro deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a emitir um parecer alegando que o governo federal não tinha responsabilidade em arcar com as compensações aos estados. No mesmo mês, o ministro Gilmar Mendes, do STF, prorrogou para 2020 o prazo de regulamentação, sem acordo.
Mesmo diante o impasse, o advogado-geral do Estado, Sérgio Pessoa de Paula Castro, diz que é preciso aproveitar a manifestação do Supremo para regular a Lei Kandir. "A expectativa do conjunto dos estados é que venha uma regulamentação a partir do Congresso Nacional. Esperamos que seja feito no momento presente, já que há um pronunciamento do Supremo de que tem que ser rgulamentado o texto constitucional que prevê a Lei Kandir", argumenta o advogado.
A proposta do governador Romeu Zema é pleitear o pagamento de R$ 135 bilhões parcelado em 60 anos, o que renderia uma cifra de R$ 2,25 bilhões por ano ao Estado. Além disso, Minas também cobra o valor de R$ 2,69 bilhões pagos por ano, referentes a estimativas de perdas futuras da Lei Kandir, em uma projeção calculada pelo governo de Minas e outros estados, enquanto o Congresso não regulamenta a legislação.
Ao todo, Minas teria direito em receber R$ 4,9 bilhões por ano em compensações da Lei Kandir. Essa valor cairia para R$ 3,7 bilhões no caixa do Estado, uma vez que os municípios têm direito a 25% das receitas oriundas de ICMS, ou seja, R$ 1,2 bilhão desse valor dividido para as 853 prefeituras mineiras.
Apesar de apresentar a proposta na Assemblei
a Legislativa, o governador não falou com a imprensa. O presidente da Casa, Agostinho Patrus (PV), comparou a discrepância entre o recebimento de royalties pelo estado do Rio de Janeiro, por causa da exploração do pré-sal, com os valores que entram no caixa de Minas Gerais com a arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem).
"Não é justo que um estado (RJ) receba R$ 13 bilhões (por ano) em royalites de petróleo extraído em águas continentais, ou seja, que são de todos os brasileiros, e Minas Gerais receba pouco mais de R$ 200 milhões por ano da mineração, que causa tantos problemas", disse o presidente da Assembleia.
Recuperação fiscal
Ainda que a União aceite os termos de compensacão da Lei Kandir, o advogado-geral do Estado, Sérgio Pessoa de Paula Castro, diz que o eventual acordo não exime Minas de aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
O governador Romeu Zema deve enviar em breve um projeto de recuperação fiscal à Assembleia, que prevê o congelamento da dívida de R$ 88 bilhões que o Estado tem com a União por até seis anos. Em troca, o governo estadual se compromete com a privatização de estatais, como a Cemig, e políticas de austeridade, a exemplo do congelamento de salários do funcionalismo público e a restrição de concursos apenas em casos de vacância.
"Se vier esse recurso (da Lei Kandir), será um recurso novo, mas por si só, não é suficiente. Então, é necessário um conjunto de medidas e é importante a manutenção do debate sobre a adesao RRF. Por que teríamos marcos de medidas emergenciais, como o regime de recuperação, e marcos de médio e longo prazo, que serão recursos novos a partir da compensação da Lei Kandir", diz o advogado.
Contexto
Criada em 1996 com aprovação maciça do Congresso, a Lei Kandir nasceu em um contexto de exaltação do Plano Real. A ideia era fortalecer a moeda nacional e estimular a competição dos produtos brasileiros no exterior, ao desonerar o ICMS de produtos primários. Em contrapartida, a União deveria ressarcir os estados anualmente.
Dos R$ 637 bilhões estimados em perdas dos 27 estados e Distrito Federal por causa da Lei Kandir, Minas lidera o ranking dos que mais têm a receber: 21% dessa fatia, o equivalente a R$ 135 bilhões pelo ICMS que deixou de entrar no cofre desde 1996. Se houver o pagamento, o Estado, que tem dívida ativa de R$ 88 bilhões com a União e um déficit estimado para este ano de R$ 30 bilhões, passará de devedor a credor.
Apesar disso, os pagamentos nunca foram regulares. Em 2004, a Lei Complementar 115 criou um divisor de águas na Lei Kandir, ao eximir a União de realizar repasses fixos e obrigar os governadores a fazerem acordos particulares com o governo federal.
Desde então, os repasses não obedecem a uma regularidade. Em 2018, a União repassou apenas R$ 1,9 bilhão para todos os estados, sendo R$ 184 milhões para Minas. A cifra nacional é 51,3% menor do que em 2017, quando foram pagos R$ 3,9 bilhões aos governos estaduais.