Pesquisa

Alerta de tempestade baseado em CEP é ineficaz, revela estudo

PUC-PR mostra que população que ocupa áreas irregulares, em geral as de maior risco, não tem acesso à ferramenta

Da Redação*
portal@hojeemdia.com.br
04/01/2024 às 21:03.
Atualizado em 04/01/2024 às 21:17
 (Maurício Vieira/Hoje em Dia)

(Maurício Vieira/Hoje em Dia)

Aposta de vários municípios brasileiros para prevenir tragédias causadas pelas chuvas, o envio de alertas de tempestade via SMS pode ser menos eficaz do que se acredita. Não por uma falha na ferramenta, mas pela baixa adesão ao serviço ­- que, por ser vinculado ao CEP, acaba deixando de fora quem vive em áreas irregulares, sem o código oficial de endereçamento e em teoria as mais vulneráveis aos estragos.

A conclusão é de pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), que analisaram a emissão dos avisos por mensagem de texto em capitais do país ­- uma delas, Belo Horizonte, onde o serviço está disponível desde março de 2019.

O estudo é resultado da tese de doutorado em Gestão Urbana de Murilo Noli da Fonseca. “Uma das etapas da pesquisa era entender como se dá o processo de alerta de eventos adversos e desastres no Brasil. O sistema é baseado no cadastro de CEP e constitui a principal forma utilizada hoje pelos municípios brasileiros, principalmente através da Defesa Civil”, explica Fonseca, um dos responsáveis pela pesquisa.

Sabendo que havia esses dados disponíveis, os pesquisadores entraram em contato com a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, via Lei de Acesso à Informação, e pediram o extrato de celulares cadastrados para receber esse tipo de alerta.


“A gente queria saber se as pessoas que moram em áreas reconhecidamente vulneráveis socioeconomicamente e de risco de desastres estavam cadastradas ou não. Pelo senso comum, a gente acha que elas estão cadastradas porque tendem a estar, recorrentemente, afetadas por esses eventos”, afirma. Não foi, entretanto, o que os pesquisadores constataram.

Início do estudo

O trabalho foi iniciado por Curitiba (PR), onde houve um mapeamento para verificar em quais áreas estavam as pessoas que fizeram o cadastro. Depois, efetuou-se o cruzamento desses celulares com as áreas de vulnerabilidade socioeconômica e ambiental e as áreas de risco. Foi quando os estudiosos descobriram que o número de telefones cadastrados nesses locais era muito pequeno.

Os pesquisadores buscaram entender, então, qual era a causa.

Como o sistema é baseado no CEP, pressupõe que as ruas têm um código. “Mas se a gente verificar as áreas de risco, elas são normalmente áreas irregulares do ponto de vista legal. Por essa razão, tendem a não receber o nome de rua e, em consequência, um CEP”, explica Fonseca. O estudo foi ampliado, abrangendo também as capitais de Minas, Rio de Janeiro, Amazonas e Pernambuco.

Os analistas verificaram que a falta de regularização dessas áreas impede a existência de CEP e, por todo o seu alcance, que as pessoas possam inscrever o celular no sistema da Defesa Civil. O resultado é que aquelas pessoas que já estão em situação de vulnerabilidade socioeconômica e ambiental em uma área de risco ou desastre tendem a estar muito mais vulneráveis pelo fato de não poderem receber avisos e alerta de um evento adverso, como uma chuva muito intensa, por exemplo.

Limitações

O cadastramento do CEP é voluntário. Os autores do trabalho imaginam que, como se trata de um sistema administrado pela Defesa Civil dos municípios, esses órgãos enfrentam várias limitações em termos de recursos humanos, financeiros e materiais.

Essa informação foi ressaltada no último diagnóstico do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), informou Fonseca. Para ele, essas limitações podem estar fazendo com que a plataforma de cadastramento do CEP não seja divulgada de maneira adequada.


Como se trata também de mensagens de texto (SMS), o pesquisador estima que muitas pessoas residentes em áreas de risco tendem a ter dificuldade com a leitura. “O ideal é que sejam cadastradas no sistema e, depois, seja feito um aprimoramento desde a construção da mensagem até encontrar formas alternativas para que essa mensagem de alerta chegue aos diversos perfis de população que reside nessas áreas”.

Os resultados do levantamento revelaram variação na conscientização e registro dos CEPs por região. Em Belo Horizonte, 14,38% dos celulares estavam cadastrados, dos quais 7,92% estavam registrados em áreas de risco.

No Rio de Janeiro, 10,72% dos celulares estavam cadastrados, com 3,49% deles em áreas de risco. Curitiba apresentou registro de 8% dos celulares cadastrados, dos quais 3,5% em áreas de risco. Manaus tinha apenas 2,6% dos celulares cadastrados, com 2,05% em áreas de risco. Em Recife, 4% dos celulares estavam cadastrados, com 5,6% deles em áreas de risco.

Ampliação

No âmbito desse mapeamento, os pesquisadores querem chegar a um número maior de capitais e cidades de maior porte, bem como pretendem mapear também cidades pequenas. Fonseca diz que ainda que o CEP, atualmente, no Brasil, é dado para ruas de cidades acima de 50 mil habitantes. Nas menores, geralmente as vias não recebem o código, havendo apenas um para todas.

Dependendo da disponibilidade de dados, os pesquisadores estão tentando verificar e mapear pessoas que cadastraram o whatsapp para receber o alerta, porque hoje existe também essa alternativa. O Brasil é o único país que faz esse alerta pelo whatsapp. Em BH, o serviço está disponível desde novembro de 2023.

Fonseca considera que essa forma pode suprir a questão do CEP, embora ainda existam diversas limitações e lacunas que precisam ser aprimoradas. No âmbito ainda da pesquisa, a intenção é fazer entrevistas em comunidades para verificar as formas mais adequadas para que a informação de alerta possa chegar às pessoas de maneira mais adequada e em tempo hábil.

*(Com informações da Agência Brasil)

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