(Arquivo Pessoal)
Mineiro de Belo Vale, ele não para. Jornalista premiado, escritor apaixonado e empresário bem-sucedido. Aos 65 anos, será pai novamente. No melhor dos sentidos, inquieto talvez seja o adjetivo que melhor descreva Luiz Fernando Emediato. Até pela política passou, e agora chega ao cinema com a adaptação de seu romance “O Outro Lado do paraíso”.
O cinema, aliás, é uma seara por onde decidiu passar não como um mero aventureiro. Explica-se: vem mais lançamentos com a assinatura Emediato por aí. Em 1992, depois de deixar o jornalismo, mergulhou na literatura não "apenas" como escritor, mas também como publisher. Nascia, então, a Geração Editorial, hoje dirigida pela filha Fernanda Emediato.
Em jornada de lançamento do filme "O Outro lado do Paraíso", que conta com participação de Milton Nascimento na trilha sonora e de Fernando Ristum na direção, Emediato conversou com o Hoje em Dia sobre carreira, trajetória, política e o mercado editorial, muito criticado por ele. Ora ácido, ora saudosista, escancara uma face do mercado como poucos editores têm coragem de fazê-lo (o medo de perder o filão "jovem" que se cria é grande), criticando, inclusive, editoras concorrentes.
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Confira a conversa na íntegra:
Como foi o processo de mudança que te levou de escritor e jornalista a publisher?
Minha carreira jornalística foi muito rápida. Num período de 17 anos fui repórter, repórter especial, correspondente de guerrilhas na América Central, editor e diretor de redação. E eu nunca quis ser jornalista, apenas escrever. Mas o jornalismo sufocou o escritor e eu parei de escrever em 1984. Em 1990, com 39 anos, decidi abandonar a profissão para voltar a escrever, mas aí a morte de um irmão empresário me jogou no mundo dos negócios. Para não morrer de tédio, abri a editora Geração, em 1992. Me meti na política também. E agora o cinema. Sou muito inquieto. Aos 65 anos estará nascendo uma filha. Vou aproveitar para largar a política e a editora e voltar a escrever. E vou fazer mais filmes. Eu vivo movido a sonhos. Como na política o sonho acabou e o mercado editorial hoje é mais negócio que cultura, vou passar a editora adiante.
O mercado literário vai bem? Quais são as principais dificuldades?
O negócio do livro cresceu muito em todo o mundo. Temos mais leitores de fantasia, games infantis e juvenis, textos superficiais de blogueiros e youtubers, livros de pseudo-artistas. Você entra numa livraria e é soterrado por esse quase lixo editorial na vitrine, nas mesas. Os bons livros ficam nas prateleiras. É meio desanimador. As editoras precisaram se remodelar. A Companhia das Letras, sempre zelosa da qualidade, foi comprada pela Penguin. E abriu dois selos, Paralela, para publicar inclusive livros eróticos de má qualidade e a Seguinte, para livros juvenis. A Cosac Naif preferiu fechar.
Você acha que isso afeta a qualidade do leitor que se forma e dos autores que surgem em busca deste filão?
A maior parte do que se produz nesse filão é lixo, é descartável. Mas não podemos ser preconceituosos. Um adolescente pode se iniciar na leitura lendo isso e mais tarde buscar boa literatura. Ou não. Mal não faz.
A Geração trabalha na formação e lançamento de novos escritores?
Sim. Mas novos escritores de qualidade são raros. Lançamos uma escritora ótima e transgressiva, Ana Ferreira, com um primeiro livro extraordinário, “Amadora”, mas ela desistiu. Agora lançamos um escritor muito bom, Gustavo Magnani, ele tem apenas 20 anos. Mas gente assim é rara. Eu sempre espero que chegue à editora um original de qualidade, mas a maioria imita Harry Potter (mal) e O senhor dos anéis. Essa gente não lê os clássicos, não sabe quem foram Dostoievski, Kafka, Hemingway, Graciliano Ramos ou João Guimarães Rosa.Arquivo PessoalCom Boris Casoy, seu último emprego como jornalista antes de abandonar a profissão
Você já afirmou, em entrevista, que sempre procura por grandes escritores. Para você o que é um livro de qualidade? Temos grandes escritores surgindo?
Livros de qualidade, na área de ficção brasileira, por exemplo, seria algo como “Vidas secas”, de Graciliano Ramos, “Grande sertão”, de Guimarães Rosa ou qualquer um de contos do Rubem Fonseca. Ora, desde Raduam Nassar, nos anos 70, e Milton Hatoum, nos 80, que não surgem novos autores bons. A maioria deles escreve policiais que imitam Rubem Fonseca ou romances “moderninhos”, com personagens envolvidos nos WhatsApp e torpedos da vida.
”Uma editora de verdade” é o slogan da Geração. O que seria o contrário disso?
Trata-se de um slogan provocativo. Uma editora de verdade seria o que foi a José Olympio nos anos 40 e 50, revelando os grandes autores brasileiros, a Civilização Brasileira, nos anos 60 e 70, combatendo a ditadura, a Brasiliense nos anos 80, revelando novos autores inclusive estrangeiros. Uma editora com um editor que se expõe e participa da vida social e política do país. Que não apenas “lança” livros, mas “edita”, com foco naquela ideia de que livros não mudam o mundo, mas mudam pessoas.
A carreira de jornalista te rendeu tantas boas histórias quanto as que cria na literatura ficcional?
Quase tudo o que escrevo é autobiográfico. Eu detestei ser jornalista (e olha que ganhei todos os prêmios), mas foi o jornalismo que me tornou conhecido. Se eu escrever o romance que planejo, ele terá 600 páginas e abarcará 50 ou 60 anos da vida nacional, sempre narrado – como em “Verdes Anos” e “O outro lado do paraíso” – por um tal de Nando, que sou eu.
Você tem uma trajetória literária que carrega raízes e histórias de sua família. Imaginava que chegaria onde está hoje?
Um dia, nas férias escolares, meu pai me levou para trabalhar numa jazida de cristal e cascalho. Eu acordava às 5 da manhã, desmontava um pedaço de morro com uma picareta e com uma pá jogava a terra numa enorme peneira de aço. Separava os cristais para a indústria de vidro e arrastava o cascalho para vender para a construção civil. 12 horas depois, eu havia coado 5 m³ de cascalho e separado um saco de cristais. O corpo todo vermelho de pó e terra. Os peões riam de minha magreza e de minha tosse. Jurei para mim mesmo que ia estudar, como meu pai queria, e ser alguém na vida. Os trabalhadores riam de meu sonho. Eu tinha certeza que seria alguém. Talvez não tenha conseguido ser o escritor que sonhava ser, mas sou feliz com o que vim a ser. Nunca fiz algo que não quisesse. Sempre fui livre. Nunca ninguém jamais mandou em mim.
“O outro lado do paraíso” tem despertado reações diversas por onde passa, principalmente por se ambientar à época do golpe de 64, e ser lançado bem no meio do furacão político atual. Qual a principal mensagem do filme?
or uma infeliz coincidência o filme foi lançado no meio de uma deposição presidencial. Como escreveu o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa, o filme nos faz refletir sobre projetos que não se realizam, não se completam. Ganhou um sentido que não teria normalmente. Mas alguns trogloditas que não viram e nem verão o filme já o difamam nas redes sociais. A sociedade brasileira está violentamente dividida e o futuro não é nada bom. A ditadura militar e a falsa democracia que se seguiu a ela geraram um monstro: gerações alienadas, insensíveis, egoístas, ignorantes. Essa pessoas que elegem este Congresso grotesco e corrompido.
Você sempre teve um posicionamento político engajado e chegou a fazer parte do Governo Dilma. Como analisa a estrutura do poder público que temos hoje do ponto de vista de cidadão que já esteve do lado de dentro do poder?
Eu sempre fui independente e nunca me filiei a partido algum. Quando me chamaram para ajudar o ministro do Trabalho Brizola Neto, um jovem que podia ser meu filho, eu sucumbi diante de meu lado emotivo. Eu vi meu pai ser preso por defender Leonel Brizola e João Goulart. E ali estava eu diante de um neto de Brizola e sobrinho neto de Jango pedindo minha ajuda. Entrei de cabeça no projeto. Eu era, nos bastidores, o homem que passava o dia no gabinete do ministro, trabalhando 14, 16 horas por dia pelo país. Sabe qual foi o resultado? Brizola Neto foi afastado porque o “dono” do partido dele exigiu, para apoiar a reeleição de Dilma. Sabe qual foi o destino dos projetos que deixamos para implantar ou já em implantação? O lixo. O Estado brasileiro não funciona. Juca Martins / Arquivo Pessoal Na guerrilha de El Salvador, 1981, trabalhando para O Estado de S. Paulo
Você utilizou a palavra para lutar contra e retratar a ditadura. Ainda considera a literatura uma ferramenta de luta e resistência?
Sim. Passei três décadas meio desiludido e cético quanto a isso, mas agora voltei a acreditar o suficiente para tentar voltar a escrever, pelo menos.
Quando publicou “A Privataria Tucana”, você, na figura de editor, foi ameaçado de processo por parte do PSDB. Como foi, no entanto, a recepção do público leitor à esta obra? O processo foi adiante?
Foi um dos maiores best-sellers brasileiros. E ainda é. Respondemos a vários processos, mas estamos ganhando todos
Muito se discute sobre a liberdade de expressão no mercado editorial, haja vista a polêmica com as biografias não autorizadas e os recentes livros-reportagens que têm tomado conta das prateleiras e das listas de mais lidos. Você entende que cabe questionar o “tamanho” da liberdade do autor e da produção literária ou isso é uma limitação que fere o direito à liberdade de expressão?
Depois de muita luta o STF decidiu que biografias não precisam ser autorizadas pelos biografados. Como eu sempre tive esse entendimento, sempre publiquei biografias e enfrentei os processos. Os outros editores é que não se animavam. Para minha editora, nada mudou. Eu sempre dei uma banana para biografados vivos e para herdeiros. Eles têm o direito de reclamar e pleitear indenizações, não de proibir.
Até hoje você construiu uma carreira sólida, que rendeu prêmios e um saldo positivo. De agora em diante, o que pensa em fazer? Tem algo saindo do forno do inquieto Emediato?
Pretendo deixar a editora para minha filha, se ela quiser, e voltar a escrever. E produzir filmes. Já tenho três filmes encaminhados. E o tal romance autobiográfico.
Colaborou Vanessa Perroni