(Bruno Inácio )
Suspeita de envolvimento em mais de 200 abortos, uma estudante de jornalismo de 37 anos, presa no mês passado em Belo Horizonte, conheceu a quadrilha que fornece os medicamentos usados nos procedimentos há seis anos. A informação é de amigos da mulher, que a conheceram ainda na época em que ela estava grávida do filho de seis anos.
Investigada desde junho por comandar um esquema no qual cobrava entre R$ 3.000 e R$ 8.000 para ajudar mulheres a interromper gestações, a estudante está em liberdade, pois requereu na Justiça a necessidade de cuidar do filho de seis anos, da qual ela cuida sozinha, em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Foi quando esteve grávida do menino, em 2013, que ela teve as primeiras ideias de montar o esquema.
Um estudante que passou por uma das várias turmas de jornalismo que a suspeita frequenta desde 2011 diz que, naquela época, a falsa enfermeira dizia que havia engravidado quando usava anticoncepcionais e, desde então, faria de algum jeito para que a empresa que fornecia os contraceptivos “pagasse pelo crime” de a ter feito engravidar.
“Ela falou que teria coragem de tirar o bebê. E naquela época contava que se tivesse condições teria abortado, que estava atrás de formas de fazer isso. Só que ela sempre foi uma pessoa de ideias estranhas. Ninguém imaginava que ela poderia mesmo abortar”, afirmou.
De fato, segundo a Polícia Civil, a mulher nunca cometeu aborto. Ela tem apenas o filho que nasceu em 2013. Contudo, de lá para cá, teria se especializado em um esquema no qual mais de 200 mulheres, de pelo menos dez Estados do Brasil, em todas as regiões, além de Espanha e Portugal, já teriam se beneficiado.
Drogas para vacas
Os investigadores do caso explicam que a estudante usava doses diferentes de um medicamento usado para expandir tetas de vacas para interromper as gestações, que eram injetados nas grávidas. Segundo o delegado Emerson Morais, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), a droga era considerada restrita até mesmo para animais.
“É uma medicação injetável, que ela tinha dezenas de comprimidos na casa dela. Dada as consequências desta medicação, para a vida dos animais, ela é restrita. E ela usava doses cada vez maiores nas mulheres grávidas, a depender do tempo de vida do feto”, explicou o delegado.
A suspeita dos policiais é que a estudante comprava a droga de uma quadrilha especializada em tráfico de abortivos que tem sede no Paraguai. Ainda não se sabe como estes medicamentos eram trazidos aqui, mas a investigadores acreditam que possam haver outras pessoas ligadas ao esquema.
Um amigo antigo da mulher confirmou ao Hoje em Dia que ela se passava como enfermeira, até mesmo para vizinhos e familiares, o que justificava a renda adquirida com os procedimentos. Nas redes sociais, ela fazia propagandas em que anunciava um procedimento “natural e seguro” de aborto.
“Sim, ela tinha celulares caros, roupas de marca e morava numa casa muito bem mobiliada. Mas ninguém imaginava que ela fazia esse tipo de coisa”, disse o rapaz, que mora no mesmo bairro da estudante.
Quando a mulher foi presa, no último dia 6 de setembro, a Polícia Civil encontrou, na casa dela, mais de R$ 12 mil em espécie, 30 frascos do remédio de vacas, e dezenas de cartelas de um abortivo em forma de drágeas, além de materiais de enfermagem, como luvas e bisturis.
O programa Fantástico, da TV Globo, divulgou neste domingo que a estudante garantia abortos em mães com até 8 meses de gestação. Contudo, uma mulher que mora em Formiga, na região Centro-Oeste do Estado, usou a medicação fornecida pela suspeita, mas a criança nasceu e está internada em uma Unidade de Pronto-Atendimento da cidade, em estado delicado de saúde.
Hotéis
Os abortos eram realizados em hotéis de Belo Horizonte que, conforme o Hoje em Dia mostrou no mês passado, eram transformados em clínicas abortivas. A estudante indicava as vítimas qual hotel e andar elas deveriam ficar. Depois, sem conhecimento de funcionários e donos dos hotéis passava o dia lá com as mulheres, onde as medicava. O processo durava cerca de 12 horas.
Pelo menos 24 hotéis tiveram registros de entradas e saídas da mulher nos últimos três anos, quando a Polícia Civil acredita que ela começou o esquema. A corporação agora está atrás das mulheres que cometeram os abortos, para que elas respondam na Justiça. 25 já foram identificadas e podem pegar até quatro anos de cadeia.
A reportagem do Hoje em Dia procurou pela suspeita, mas segundo os amigos, ela mudou de telefone e desfez o perfil que tinha nas redes sociais. Ao programa Fantástico, ela disse que não comentaria o assunto.
Ela responderá por cometimento de aborto com consentimento da gestante, com pena de 1 a 4 anos, por cada procedimento. Ela também responderá por porte de medicação de uso proibido, crime hediondo com pena de 10 a 15 anos de prisão.