Passadas de mão e ‘encoxadas’ são abusos diários no transporte público de BH

Mariana Durães
mduraes@hojeemdia.com.br
04/09/2017 às 20:29.
Atualizado em 15/11/2021 às 10:25
Passagem do metrô terá reajuste e passará a custar R$ 5,30 no próximo sábado (Pedro Gontijo/Arquivo Hoje em Dia)

Passagem do metrô terá reajuste e passará a custar R$ 5,30 no próximo sábado (Pedro Gontijo/Arquivo Hoje em Dia)

As duas prisões de um jovem em menos de uma semana, após ejacular e mostrar o pênis para mulheres em ônibus de São Paulo, levantam o debate sobre o assédio sexual no transporte público. Em Belo Horizonte, usuárias de coletivos e do metrô dizem que os casos são diários e se sentem acuadas.

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Cantadas, passadas de mão e ‘encoxadas’ são os principais abusos cometidos. As vítimas, em sua maioria, são jovens. A situação é tão grave que não são só os passageiros que representam risco. Há relatos, inclusive, de trabalhadores dos modais. Constrangidas, elas evitam prestar queixa. 
A BHTrans, responsável por gerenciar os ônibus da capital, diz não ter recebido denúncias sobre assédios. Já a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), responsável pelo metrô, informou ontem que não teria tempo hábil para fornecer um levantamento detalhado.

o fato ao motorista; empresa diz que campanhas educativas têm sido realizadas

Aline Terrão, de 23 anos, é uma das vítimas. Ela conta que pegava ônibus diariamente com o irmão, entre o cursinho e a volta para casa. Um dia, sozinha, decidiu sentar-se próxima ao motorista, pensando que seria mais seguro. Porém, a estudante acabou sendo alvo do trocador da linha.
“Ele sentou ao meu lado e começou a conversar. Fui levando numa boa, com medo de alguma reação, principalmente porque estava sozinha, até que ele pegou no meu cabelo”. Como se não bastasse, o homem foi ainda mais longe. Pedro GontijoReclamações relacionadas aos ônibus da capital dizem respeito à operação do sistema, diz BHTrans

“Quando decidi passar na roleta, entreguei o dinheiro e, ao invés de devolver o troco na minha mão, ele colocou no meu bolso, colocando, também, a mão na minha bunda”. Em choque, Aline não conseguiu reagir. Ela apenas pediu ao pai que a buscasse no ponto, com medo de que o homem a seguisse.

Igual

Apesar de mais raros, há também relatos de abusos como o que ocorreu em São Paulo. Há cerca de um ano, a estudante Ana Luísa Mayrink, de 22 anos, estava no assento da janela de um ônibus quando um jovem se sentou ao lado, a deixando encurralada. O rapaz começou a se masturbar.

Com medo de algo pior, Ana Luísa permaneceu calada. “Ele ainda ficava tentando puxar assunto, queria saber meu nome e meu curso, porque eu estava no coletivo que vem do campus da UFMG. Na hora de sair, ainda tentou passar a mão nos meus seios”. 

Depois disso, ela disse que teve vários ataques de pânico e até “surtou” uma vez, quando um rapaz a perguntou as horas. Para a universitária, nessas situações há muita impunidade.

Polícia reforça necessidade da vítima prestar queixa; penalidade varia conforme o delito

Na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher da Polícia Civil as denúncias são mínimas. “É um tipo de ocorrência que fere a dignidade da mulher e a expõe. Além disso, muitas não acreditam na resposta do Estado para o problema, não se sentem à vontade para vir”, explica a delegada Camila Miller.Pedro Gontijo

“O assédio é muito velado. Acontece em um esbarrão, uma coisa qualquer que um cara fala e as mulheres acabam não pedindo ajuda por medo. Às vezes, preferem saltar do transporte do que denunciar ali na hora” (Júlia Íris, estudante de engenharia ambiental) 

Segundo ela, a tipificação depende de cada caso. Na maioria – quando uma mulher é tocada por um homem – é classificado como delito de importunação ofensiva ao pudor. Ou seja, uma contravenção penal. A única penalidade prevista é o pagamento de multa, cujo valor é arbitrado por um juiz. Já no caso de estupro, a pena mínima prevista está entre seis e dez anos de prisão.

Para configurar assédio sexual, explica Camila Miller, é necessário que haja uma relação de hierarquia entre as partes. Um exemplo seria um chefe que assedia a funcionária. Camila destaca que a saída mais eficiente é incentivar cada vez mais que as mulheres registrem a denúncia. “As delegadas aqui são mulheres e o atendimento é reservado”, garante.

Em nota, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH) informou que nenhuma denúncia chegou à entidade –nem de passageiros nem de funcionários. O sindicato aconselha a pessoa a registrar o boletim de ocorrência e a entrar em contato por meio do telefone 0800-283-7045. Vídeos gravados no interior dos ônibus também podem ser encaminhados à polícia.

A BHTrans orienta os passageiros a comunicar o fato ao motorista, que pode parar o ônibus e solicitar intervenção policial. Também em nota, a empresa disse que “tem vínculo com os consórcios, e não com os funcionários, que têm uma relação empregatícia com as empresas”. Campanhas educativas têm sido realizadas.

"Durante a manhã de ontem, enquanto conversava com passageiras sobre assédio, vivi algo que para nós mulheres quase faz parte da rotina, mas não pode ser tratado como normal. Na estação Central do metrô de BH, esperava passageiros desembarcarem para entrevistá-los quando um idoso se aproximou e disse ao pé do ouvido “bom dia, lindeza”. Poderia ser apenas uma pessoa educada, desejando que eu tivesse uma boa segunda-feira, não fosse o sorriso malicioso no rosto. Não vi se ele me olhava de costas, porque o nojo e a surpresa me deixaram, também, sem reação"Mariana DurãesRepórter do Hoje em Dia

Pedro Gontijo / N/A

“Espero que esses casos mais graves e de grande repercussão, como o de São Paulo, abram os olhos das autoridades para que a situação seja levada mais a sério. Pois, assim como acontece todos os dias, e desde sempre, muitas mulheres desistem de denunciar por acharem que não vai dar em nada” (Natália Rosário, promotora de vendas)

(Colaborou Raul Mariano)

  

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