(Maurício Vieira)
Inesperado para candidatos e professores, o tema “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil” foi a aposta do Ministério da Educação (MEC) para a redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2017. A escolha endossa uma linha que vem sendo seguida nos últimos anos: a discussão de questões sociais no texto dissertativo.
Em 2014, a publicidade infantil, em 2015, a violência contra a mulher e, em 2016, na primeira e na segunda edição, a intolerância religiosa e o racismo, também trouxeram à tona problemas vividos no país.
Para o professor de redação e diretor pedagógico do site de educação pré-vestibular Descomplica, Rafael Cunha, o Enem segue uma tradição. “O exame abordou um assunto ligado a uma minoria, que deve, de alguma forma, ser assistida e empoderada”, coloca.Maurício Vieira / N/A
“Tem três anos que faço o exame, mas fiquei bem nervosa quando vi o tema”, expõe Paula Abda
A estudante Yara Thábata Silva Bazzoni, de 18 anos, fez a prova na capital mineira e foi surpreendida com o tema. Ela lembra que, ao longo do ano, fez várias redações em sala de aula para treinar, mas que nunca havia escrito sobre a inclusão de pessoas com deficiência auditiva. “Treinei bastante, mas achei mesmo que o Enem ia tratar de algum assunto mais político. Não me preparei para falar disso”, afirma.
A administradora Poliana Abda, de 29, quer uma vaga no curso de Psicologia e também se assustou com a proposta. “Tem três anos que faço o exame, mas fiquei bem nervosa quando vi o tema”, expõe.
Análise
O recorte específico pode ter sido o motivo para tanto impacto, observa o educador Rafael Cunha. “O assunto pode trazer desconforto aos candidatos porque muita gente até sabe falar sobre deficiência física, motora, mas não sobre a surdez”, diz.
O segredo para ter tido uma boa prova, segundo o professor, é que o candidato tenha falado sobre projetos educacionais de inclusão, observando sempre uma postura acolhedora, que promova igualdade.
“O aluno deve ter abordado propostas de intervenção que tratem da inclusão desse grupo especialmente pelo viés de uma formação educacional”, afirma Rafael.
Na coletânea de fragmentos de textos oferecida na redação, era possível encontrar pontos para discutir o tema, ressalta Allana Matar de Figueiredo, professora de português do Colégio Bernoulli. “Mesmo o recorte sendo específico, se o aluno escreveu e leu bastante sobre a inclusão de pessoas com deficiência, bastava ter frieza para planejar o texto”, observa.Maurício Vieira / N/A
“Falei que a inclusão das pessoas surdas ainda é muito difícil, mas que tem que acontecer; temos que ter postos de trabalho para essas pessoas”, conta Bruno Zanon
Libras
Um ponto abordado pela professora Allana Mattar, que poderia ter sido utilizado, é o ensino da Linguagem Brasileira de Sinais – Libras, que inclusive fez parte do enunciado da questão. “O aluno poderia argumentar que, de nada adianta a lei garantir o ensino da Libras se não temos professores capacitados para isso”, coloca.
Outro argumento seria a exclusão no mercado de trabalho. “Se o aluno não consegue formação educacional adequada, ele também não terá acesso ao mercado”, comenta.
Foi justamente a inclusão de surdos em cursos preparatórios para o mercado de trabalho a ideia defendida por Bruno Zanon, de 30 anos, na dissertação. Bruno, que usou como referência um assunto abordado em um dos textos motivadores da redação, foi um dos primeiros candidatos a deixar o local de provas, no campus PUC Minas, em BH.
“Falei que a inclusão das pessoas surdas ainda é muito difícil, mas que tem que acontecer; temos que ter postos de trabalho para essas pessoas”, conta.
(*) Colaborou Paula Bicalho
Leia mais: