Na semana em que a Argentina rejeitou a descriminalização do aborto, o Supremo Tribunal Federal no Brasil abriu-se ao debate da questão. Neste sábado (11), a atriz e jornalista Marília Gabriela estreia Casa de Bonecas - Parte 2, no Sesc Consolação, e reconhece no momento atual a relevância de discutir temas pertinentes às mulheres. Ela vive Nora, personagem da peça de Ibsen que escolhe viver só e deixar a família e os três filhos. "Ainda vivemos em um paternalismo atrasado, no aspecto religioso e político."
Na história original, escrita em 1879, Nora precisa ajudar o marido Torvald a saldar dívidas e falsifica a assinatura de seu pai para realizar um empréstimo. Quando o homem descobre a fraude, proíbe a mulher de cuidar dos filhos. Nora afirma que está cansada de ser tratada como um brinquedo, uma boneca. Ela lhe devolve a aliança e deixa a casa. "A peça de Ibsen abre a discussão para a construção de liberdade do ser humano", afirma a diretora Regina Galdino. "A história ganha um caráter feminista ao colocar a liberdade em uma mulher casada e mãe."
O texto que dá continuação à Casa de Bonecas é um exercício de imaginação proposto pelo jovem dramaturgo norte-americano Lucas Hnath. Não é com surpresa que Regina conta que, antes de escrever a peça, o autor fez uma pesquisa questionando pessoas sobre qual teria sido o destino da personagem. "A grande maioria disse que Nora teria se tornado uma prostituta."
Na história de Hnath, a mulher retorna à antiga casa, 15 anos depois. Nesse intervalo, Nora tornou-se uma escritora de sucesso, com obras que falam de liberdade e independência. Em uma delas, a autora descreveu memórias de sua vida de casada. O motivo do retorno de Nora é a oficialização do divórcio. "Naquela época, a mulher era considerada incapaz e precisava da autorização do marido para tudo, inclusive exercer um trabalho", explica a diretora.
Sua volta tem todos os tons de um debate trágico. Um deles é o encontro com a filha mais nova, que mal se lembra dela. A jovem que parece ter parado no tempo, condena a mãe pelo abandono e celebra a ideia de que a solidão ronda a vida de toda mulher livre. "O mais interessante é que nenhum personagem é bom ou ruim", diz a atriz. "Eles não escondem suas dores ou a dificuldade de assumir as responsabilidades."
Para a diretora, o texto não apenas imagina a vida de Nora, mas entrega uma dramaturgia com características especiais. "Existe uma musicalidade em cada fala. A construção dos diálogos lembra poesia concretista. Também há uma leve abordagem contemporânea, como algumas gírias e palavrões que ajudam a deslocar o texto da fala mais formal presente no original."
Para Marília, a peça segue questionando os lugares destinados às mulheres. "Hoje, até estamos no corporativismo, mas na política nos falta voz pública, faltam mulheres representantes."
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